Frieza do judiciário afasta vítimas

A última etapa da via crucis das famílias que vivenciaram um caso de violência sexual é o judiciário. Uma etapa, por vezes, dolorosa e evitada por muitas vítimas. Isto porque é imprescindível para o prosseguimento do processo que a criança ou adolescente vítima prestem depoimento, relembrando todo o trauma que ela preferiria esquecer. “Por conta da frieza das audiências, é tão difícil para a criança denunciar”, explica Lídia Rêgo, presidente do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA).

A delegada do Centro de Atendimento a Grupos Vulneráveis (CAGV), Mariana Diniz, que durante mais de quatro anos esteve à frente dos casos de crianças e adolescentes vítimas, explica que principalmente nos casos de abuso sexual o depoimento é fundamental. “A palavra da vítima conta muito, porque no abuso sexual não existem testemunhas”, diz. Para a juíza Geni Schuster, da 11ª Vara Criminal de Aracaju, a ouvida é a pior parte de seu trabalho. “É preciso reabrir uma ferida, relembrar uma história que a vítima quer esquecer”, conta.

Lídia acrescenta que tudo isso acaba por revitimizar a criança ou adolescente. “A criança primeiro conta sua história no conselho tutelar, depois para a equipe do CREAS [Centro de Referência Especializada da Assistência Social], assistente social, psicólogo, e por último ao judiciário”, enumera. Thiago Oliveira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), acredita que é preciso haver uma 

Lídia Rêgo reclama da revitimização das crianças
mudança na legislação para diminuir o dano causado a essas vítimas. “Elas não podem ser penalizadas, afinal, são as vítimas”, diz.

Demanda

A juíza aponta ainda que outro motivo para as famílias não transformarem o inquérito policial em processo judicial são as relações de afeto. “Às vezes a mãe esconde ou a vítima não quer falar porque foi o pai quem cometeu o crime. Envolve as relações familiares”, acrescenta Schuster. Contudo, ela afirma que um grande número de casos envolvendo pedofilia tem chegado à vara. “Hoje é um problema que cresce assustadoramente. A demanda é grande “, afirma.

Para Lídia Rêgo e Mariana Diniz, na verdade, existem mais processos atualmente porque este tipo de crime tem sido mais denunciado pela sociedade. “Acredito que as pessoas estão mais conscientes, confiam mais no nosso trabalho”, acrescenta a delegada. Por isso, elas afirmam que há a necessidade de aumentar a capacidade de trabalho tanto do CAGV, quanto do judiciário.

Mariana Diniz, delegada do CAGV
Todos os processos iniciados no Centro de Atendimento, quer tenham por vítimas crianças, adolescentes, mulheres, idosos ou homossexuais são encaminhados para a 11ª Vara Criminal. De acordo com Geni Schuster, não há mais agenda para marcar audiências até o final deste ano. Por conta disso, Lídia acredita que possa haver uma morosidade na resolução dos casos relacionados à pedofilia. “A criação da 11ª foi uma avanço, mas ela é insuficiente. Há um acúmulo de trabalho”, aponta.

Thiago Oliveira, que também é advogado especializado em direito infanto-juvenil, afirma que essa superlotação da vara é conseqüência de processos anteriores à criação da 11ª, que se deu em novembro de 2007. “Quando a 11ª foi criada, processos que estavam correndo em outras varas criminais foram levados para lá. Isso é um erro”, denuncia. Em seu entendimento, por serem processos complicados, essa é uma vara que demanda maior tempo e atenção do juiz, o que só pode ser conseguido com uma menor quantidade de processos.

“Seria melhor se os processos antigos permanecessem onde estavam, para que os novos andassem com celeridade e a população visse os resultados aparecendo”, acrescenta. Desta forma, explica, a sociedade se sentiria mais estimulada para denunciar. Geni Schuster esclarece que antes da criação desta vara, era a 4ª quem recebia a maioria dos casos de grupos vulneráveis, juntamente com processos sobre entorpecentes e precatórios.

Geni Schuster, juíza da 11ª Vara Criminal

Quando foi criada a 11ª, o juiz que foi substituí-la na 4ª pediu que ela levasse consigo mais de 600 processos tendo vulneráveis como vítimas. Ela aceitou, contudo, concorda com o entedimento do presidente do CEDCA. “Eu acho justo, que cada um termine os processos que estão consigo”, contrapõe.

Penalização

Um outro problema apontado por quase todos os entrevistados é a não existência de delegacias especializadas, tampouco varas privativas para crianças e adolescentes no interior do Estado. O despreparo de alguns juízes e a morosidade nesses locais são apontados como causa de situações em que a vítima acaba sendo penalizada.

O conselheiro tutelar Jerônimo Silva cita como exemplo a história de um garoto de 11 anos que durante cinco anos foi abusado por um tio. Para afastá-lo do agressor, a Justiça decidiu colocá-lo em um abrigo. A presidente do Fórum DCA explica que esse não é um caso isolado no Estado. “Muitas vezes os juízes acabam abrigando a criança”, lamenta. Ela acrescenta que, com isso, a criança perde a convivência familiar e comunitária, o que dificulta ainda mais a recuperação psicológica da vítima.

Apesar de tudo, Lídia Rêgo, Thiago Oliveira e Mariana Diniz concordam que houve avanços no judiciário nos últimos anos. O maior citado por eles é a criação de uma vara para atender os grupos vulneráveis. “O judiciário ainda tem que caminhar um bocado”, pondera Lídia.

Onde estão as soluções para atender vítimas de pedofilia?

Por Gabriela Amorim

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