Impunidade ainda marca crime de Carlos Gato

Quatro anos se passaram e os responsáveis pela morte de Carlos Alberto de Oliveira, o Carlos Gato, não foram punidos. Conhecido até mesmo internacionalmente pela sua luta contra o trabalho infantil em Sergipe, especialmente nos laranjais de Boquim, o sindicalista e então vereador foi assassinado em uma emboscada na cidade de Pedrinhas, no dia 22 de setembro de 2001.

 

Para lembrar a data, a última esposa de Gato, Márcia Torres Barreto, enviou uma carta de repúdio a vários órgãos, como Assembléia Legislativa, Tribunal de Justiça, Delegacia do Trabalho, Câmara de Vereadores de Boquim e Organização Internacional do Trabalho (OIT). Também será celebrada uma missa hoje, às 19 horas, na Igreja Nossa Senhora Santana, em Boquim.

 

“Enquanto a OIT me disse que vai tomar providências, a assessora da desembargadora Clélia Pinheiro disse que ainda não houve o julgamento porque existem muitos processos na frente e a Justiça é assim mesmo, lenta”, desabafou Márcia.

 

Através de denúncias feitas por Carlos Gato contra a exploração de mão-de-obra de crianças e adolescentes nas plantações de laranja da região Centro-Sul de Sergipe foi implantado no Estado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). A atuação do sindicalista no combate ao trabalho infantil foi reconhecida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

 

Apesar disso, Márcia diz que a luta do ex-marido não valeu à pena. “Hoje vejo as crianças pelas quais ele lutou voltando a trabalhar nos laranjais. Não estou entendendo o que o governo Lula está fazendo. Tem um garoto de 7 anos, que mora perto de mim em Boquim, que está sem receber o Peti há nove meses”, revela Márcia.

 

Enquanto isso, ele continua dizendo, outras crianças que nunca precisaram colher laranja recebem o benefício do governo federal. “Escutei uma mulher dizendo que era melhor os filhos trabalharem nos laranjais do que ganhar R$ 40 por mês. Mas pior foi para os meus filhos, que ficaram sem pai. Fiquei revoltada com o que ouvi”, lamenta Márcia.

 

SITUAÇÃO – Se estivesse vivo, Carlos Gato seria avô em janeiro. É que a filha mais velha dele com Márcia Torres Barreto, de 17 anos, está grávida. O casal teve mais três filhos. Porém, ao todo, Gato deixou 8 filhos. A situação da família é um tanto complicada, já que sobrevivem apenas com a pensão dada na época do governo de Albano Franco.

 

Cada filho de Márcia e Gato recebem R$ 140 por mês. Para complementar a renda da família Márcia faz artesanato. “O inventário nunca saiu. Ele só deixou uma casa, que não tinha escritura, mas o antigo dono me deu uma declaração de venda, e um seguro do Banese, que não sabemos de quanto é. Isso para dividir entre os oito filhos”, informa Márcia.

 

Quando Gato morreu ela já não morava mais com ele. Mas durante os quase oito anos de casamento, Márcia diz que foram muitas ameaças de morte. “Ele foi ameaçado de morte várias vezes. Vivia protegendo as portas e janelas, com medo por causa das coisas que ele fazia, defendendo os outros e passando por apuros”, recorda-se Márcia.

 

RETROSPECTIVA – O crime, que ganhou repercussão nacional, envolve o ex-prefeito de Tomar do Geru, Gildeon Ferreira, o ex-secretário municipal de Finanças, José Nilton dos Santos e o policial Valmir dos Santos Souza. Outro acusado é o prefeito reeleito da cidade de Cristinapólis, Elizeu dos Santos, que goza de foro especial e desde o início das investigações conseguiu na Justiça um alvará preventivo que o impediu de ser preso.

 

O Pleno do Tribunal de Justiça acatou a denúncia feita pelo Ministério Público contra os dois prefeitos. Na Bahia, também foi denunciado o prefeito Raimundo Guimarães Nascimento. Entretanto, todos estão em liberdade.

 

Em 13 de novembro de 2002, o então Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual, Moacyr Soares da Mota, pediu ao Tribunal de Justiça a prisão preventiva dos prefeitos das cidades de Tomar do Geru, Gildeon Ferreira e de Cristinapólis, Elizeu Rezende Santos, por encontrar indícios inquestionáveis na participação dos dois políticos como mandantes da morte de Carlos Gato.

 

Na época, a Justiça considerou o caso como crime político. Outro político apontado pela Justiça como um dos mandantes do crime, o prefeito da cidade baiana de Rio Real, Raimundo Guimarães, chegou a ser ouvido pela Procuradoria Geral do Estado da Bahia em 23 de setembro do ano passado, em Salvador, um dia depois do assassinato completar três anos.

 

Apesar da grande repercussão em todo o Brasil, o processo de investigação sobre o assassinato continua sem avanços em Sergipe, onde o crime permanece impune. No período da investigação, cinco pessoas chegaram a ser presas, entre elas, dois policiais, dois secretários municipais e o prefeito Gildeon Ferreira, acusado de ser o mentor intelectual do assassinato. Em seguida, todos foram considerados inocentes e foram libertados. 

 

CONTINUAR A LUTA – Para a jornalista responsável pelo projeto Infância em Foco, da Missão Criança Aracaju em parceria com a Rede Andi, Joyce Peixoto, Carlos Gato, sem dúvida, foi um dos principais mobilizadores para o combate do trabalho infantil em Sergipe.

 

“A impunidade em torno do seu assassinato é grave por vários motivos, em especial por inibir que surjam no Estado outros homens com o mesmo empenho em enfrentar a exploração da mão-de-obra de crianças e adolescentes”, opina Joyce.

 

Ela diz ainda que a participação da mídia, retomando o caso e repercutindo a lentidão do julgamento dos acusados, é muito importante. “É imprescindível que o crime não caia no esquecimento e que a sociedade continue cobrando das autoridades competentes o andamento do processo”, acrescenta.

 

De acordo com a jornalista é preciso também que seja ampliada a discussão acerca das conseqüências geradas pelo trabalho infantil e das ações que têm sido executadas para combatê-lo.

 

“Muitas pessoas ainda utilizam o velho argumento de que ‘é melhor trabalhar que roubar’. O que esquecem é que crianças não podem ter apenas essas duas alternativas para sobreviver. Não se resolve um problema criando outro. Geralmente sem ter acesso à educação, a maioria das vítimas do trabalho infantil se tornam adultos com poucas chances de romper o ciclo da exclusão social”, alerta Joyce.

 

Por Janaina Cruz

Da redação do Portal InfoNet

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