Lei Seca, vida e liberdade individual

Quando a Constituição Federal diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Art. 5º, inciso II) é para proteger o cidadão de abusos de poder, porque só a lei, no pressuposto de sua elaboração democrática, é que terá legitimidade para restringir a liberdade individual. Esse pressuposto decorre da circunstância de que a lei é elaborada pelos representantes do povo (ou diretamente, através de referendos ou plebiscitos, por exemplo), eleitos livre e periodicamente pelos cidadãos para exercer exatamente essa especial tarefa de regrar as condutas socialmente permitidas, proibidas e obrigatórias.


 

Ocorre que muitas vezes os representantes do povo aprovam leis sem maior discussão com a sociedade representada, causando surpresa diante de imediata proibição de condutas ou restrição da margem de liberdade individual. É o caso da “Lei Seca” (Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008), aprovada pelo Congresso Nacional como resultado de conversão de uma medida provisória editada pelo Presidente da República. De repente, sem que a população sequer estivesse informada do que se passava, vem a informação da aprovação da lei e de sua vigência na data da publicação (20/06/2008). Só então passamos a discutir o seu conteúdo, reproduzindo uma prática lamentável de somente debater as leis depois de aprovadas!


 

A assim chamada “Lei Seca” altera o Código de Trânsito Brasileiro para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor com a adoção dos seguintes mecanismos: a) estabelecer alcoolemia 0 (zero)” e “impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool” (Art. 1º, caput); b) estabelecer que qualquer concentração de álcool por litro de sangue caracterizará a infração administrativa que consiste em “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” e que é considerada infração gravíssima, punida com multa de 900 UFIR, suspensão do direito de dirigir por 12 meses e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação – quando anteriormente o Código de Trânsito estabelecia que para essa caracterização era exigida a “concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue” (Arts. 276 e 165) – prevendo-se que “órgão do Poder Executivo Federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos”; c) previsão de que, para o caso de condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, além de ser submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado, essa infração possa ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” e que serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas comentadas na letra “b” ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos probatórios estabelecidos; d) estabelecer que o crime de trânsito que consiste na conduta de “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”punido com detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotorpassa a ser caracterizado com a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas.


 

A vontade da lei é nítida: “se beber, não dirija” (ainda que tenha bebido em módicas quantidades)!

Não há dúvida que a intenção da lei é excelente: prevenir a ocorrência de tantos acidentes de trânsito causados por condutores que irresponsavelmente dirigem seus veículos sob efeito do álcool. É o prestígio ao direito fundamental à vida que a Constituição assegura.


 

O que se questiona é: essa prevenção foi feita do modo mais adequado? Tais medidas são aptas para evitar que motoristas imprudentes arrisquem-se a dirigir embriagados? Há mecanismos eficazes e estrutura suficiente para essa fiscalização? Não haveria outros meios adequados para essa prevenção sem restringir tanto a liberdade individual (poder beber e dirigir, dentro de níveis baixos de alcoolemia que não prejudiquem a boa condução)?


Autor: Maurício Gentil é advogado militante no ramo do Direito Público, mestre em Direiro Constitucional pela Universidade Federal do Ceará, professor Universitário e colunista do Portal Infonet.

Confira abaixo a opinião do Major Paiva:


Que direito o Estado Brasileiro deve garantir aos seus condutores, beber ou viver (viver sem matar)?

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