“Lula e os jornalistas leprosos”, por Jozailto Lima

Ou, da arte do enquadramento dos meios de produzir notícias na esfera do presidente da República A cena é hilária, grotesca e recheada de um simbolismo marcante: Ricardo Kotscho, do alto dos seus 55 anos e sob a imponente e vetusta careca, interdita com vigorosa força, com um tranco de braço, um colega de profissão, de idade menos avançada mas identicamente careca, e o enxota ferozmente do círculo de possibilidades de ele fazer uma pergunta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pleno palco do auditório do Hotel Parque dos Coqueiros, na última terça, depois do encerramento do seu discurso na abertura da 44ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos. Uma hora depois, já em outra solenidade, lá na Avenida São Paulo, o Kotscho – que não é um segurança do Lula, é secretário Nacional de Imprensa e Divulgação da Presidência da República e um dos jornalistas da mais boa tradição brasileira -, explicava ao jornalista enxotado que a linha gestapeana que separava com tridentes e cotovelos os profissionais de comunicação – todos – do presidente da República não estava plugada em seu umbigo, em seu chip de decisões. Kotscho explicou que aquilo era uma determinação do pessoal da segurança do Planalto, culpa lá do coronel Gonçalves Dias e seus sabiás atômicos e bombados. Mas aquilo, que o próprio Kotscho do alto do seu cargo estava ajudando a botar em prática, com suas próprias mãos brancas e rugosas, era muito grave. Era não, é. E infelizmente – ou talvez felizmente – o jornalista que teve o braço apertado e que fora posto fora da possibilidade de perguntar algo ao presidente do seu país, fui eu. Misturo de propósito infelizmente com felizmente. Não pude concluir meu trabalho a contento (daí o infelizmente), e, felizmente, porque tenho a partir do que vi naquela terça, condições de fazer uma reflexão crítica da relação nada educada entre o presidente da República e os jornalistas, tratados por Lula, pela turma da segurança e a de Kotscho – e por este desempenho, parece tratar-se de uma mesma coisa -, como um bando de leprosos, indignos de um contato com o Cristo presidencial. A relação mídia-presidente foi marcada por maus-tratos abertos aos comunicadores. Tudo foi feito para que Lula chegasse a Sergipe, vertesse a sua melopéia oficialesca típica de um encantado com quatro meses de Governo, os jornalistas regurgitassem depois noticiazinhas chapas-brancas e a caravana voltasse para Brasília empanturrada de moqueca de camarão com maturi, pernil de carneiro, e com a fatura liquidada em seu favor. E assim se deu. Em prejuízo e desrespeito aos profissionais de comunicação, aos quais ignorou solenemente. No Hotel Parque dos Coqueiros, havia umas cinco ‘camadas de importância’ distribuídas entre os jornalistas e a mesa onde se sentara Lula e os ministros. Aos jornalistas – repórteres de texto, de TV, de rádio, fotógrafos e cinegrafistas – foi reservado o último canto do lado direito do salão e uma fila – apenas uma – de cadeiras, onde eles deveriam ficar enclausurados, divinamente em forma de bonecos, sem se mexer. Era proibido circular. Quem ousasse levantar-se e dar um passo à frente, era contido prontamente por um araponga que o bania de volta. No fim da solenidade, desci e cheguei a um metro de Lula, ainda nas imediações da mesa – queria dele um conceito sobre o jurista Carlos Britto, que acabara de ser indicado por ele para o Supremo Tribunal Federal, e entender melhor a sua proposta de transposição do Rio São Francisco, já que o presidente não deixou claro se faria ou não a interligação entre as bacias do Tocantins e do Velho Chico. Um sujeito da Presidência que empunhava um vistoso equipamento fotográfico mas, se portou como um misto de araponga e fotógrafo, pergunta-me, em tom grave, se eu era jornalista. Sim, sou. Não pode, saia daqui. Fiz que não ouvi – afinal, sou pago pelo jornal onde trabalho para estar ali e onde quer que haja notícia de macrointeresse, e como diretor de Jornalismo dele, sei muito bem definir onde estão os interesses mais marcantes. Foi quando se aproximou Kotscho e me jogou fora, como se fosse eu um perigoso objeto na esfera do presidente. No ato de inauguração de uma obra da Prefeitura de Aracaju, o tratamento nada civilizado dado pelo cerimonial de Lula aos jornalistas foi um pouco mais acintoso: armou-se um palanque e, em frente a ele, dois currais, cujas porteiras – a expressão porteira é do próprio Lula – separavam os profissionais de comunicação, a uns dez metros, e o povo, das autoridades. A coisa neste curral era tão barra pesada para os jornalistas prisioneiros que seguranças tapavam a única entrada e não se podia sair para nada. Teve um que quis ir em busca de água, foi proibido. Outro estava a ponto de ‘fazer xixi nas calças’, e o segurança lhe sugeriu indecorosamente que se resolvesse por ali mesmo. ‘Comovido’ – ou em busca de emoções baratas e populistas – Lula pediu permissão ao prefeito de Aracaju, Marcelo Déda, para que o povo pudesse se aproximar mais do palanque e determinou ao seu chefe de segurança, o coronel Gonçalves Dias, que executasse a empreitada de escancarar o curral e desatarraxar a manada humana: “Ô, Gonçalves, vê se dá para abrir isso aí para o povo vir mais para cá. Pode abrir a porteira para o povo vir para mais para cá . Eu acho que não tem nenhum problema”, recomendou. A partir daí, não houve meios e nem condições morais de a gestapo do Planalto deixar os jornalistas engaiolados lá no seu leprosário. Mas o encurtamento de distância não significou acesso a sequer uma palavra extra de Lula. Os jornalistas tentavam, pediam, imploravam. E o que você acha de tudo isso, Kotscho? Não é um enquadramento discriminatório? “Não vou dar opinião nenhuma”, respondeu o assessor, do alto do seu pedestal. Até que este jornalista o provocou com a informação comparativa de que dali a instantes Lula daria uma sonora exclusiva a Zileide Silva, a colega da Rede Globo que cobria a visita, e ficaria tudo bonitinho, salve-salve. Entre estressado e autoritário, Kotscho disse que se sentira ofendido com a presunção e que não conversaria mais. E nada mais falou, e foi embora. Igual a Lula no meio da tarde. Falhei na previsão da Zileide: o presidente também não falou com ela. O próprio Kotscho tem admitido em entrevistas que Lula não fala à imprensa por determinação sua – a popularidade do presidente está em alta e ele não precisa mudar a fórmula. E é? Sergipe é uma terra marcante, e dela saiu Lourival Fontes, o pai do DIP – o velho e truculento Departamento de Imprensa e Propaganda de Vargas, que censurava tudo a tapa. Quem sabe o Kotscho e todo o aparato comunicacional de Lula não estejam inconscientemente movidos por este resquício histórico! No mais é lembrar a ele e a Lula que tudo passa e, como diz lá no Eclesiastes, há tempo de semear e de colher. Espero que antes do fim do mandato o ego esteja um pouco mais amaciado por uma nova configuração de popularidade do Governo e os jornalistas – todos eles – possam colher mais respeito e menos propaganda unilateral desprovida do condimento dialético. * Jozailto Lima, 42 anos e 20 de profissão, é diretor de Jornalismo do Cinform. jozailto@cinform.com.br

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