O jornal “O Estado de São Paulo” publicou ontem, dia 20, na página 2 do primeiro caderno, artigo do jornalista Washington Novaes intitulado “O Purgatório do São Francisco”. Pela sua importância, transcrevemos o artigo na íntegra: “Ao contrário do que seria lógico supor, a concessão de licença prévia (não autoriza implantação) ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o Semi-Árido setentrional não arrefeceu a discussão, muito menos a oposição de parte dos Estados da bacia hidrográfica. ONGs e Ministério Público protestam na Justiça, pelo menos um governador (Sergipe) anunciou que o fará. E as razões para questionar, de fato, são muitas. Pode-se começar estranhando que, ao contrário do que exige a Resolução 1/86 do Conselho Nacional do Meio-Ambiente (artigo 5, inciso I), o Ibama não tenha começado pelo exame da alternativa de não executar o projeto: seria melhor ou pior? O parecer técnico do Ibama e a licença prévia não mencionam esse exame, embora sejam conhecidos e tenham sido muito discutidos pareceres do professor João Abner, da UFRN, e do professor João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco (Pernambuco), que consideram necessária a transposição, pois haveria água suficiente nas regiões a serem beneficiadas. Também o exame de alternativas tecnológicas e de localização do projeto (obrigatório pelo artigo 9, inciso IV, da resolução 1/86) não se completa. O Rima primeiro menciona que “a este projeto deverão integrar-se várias iniciativas e soluções regionais para convivência com o Semi-Árido, como cisternas, poços e pequenos açudes” (mas sem explicitar como); depois afirma que cisternas para prover de água micro comunidades são adequadas “para áreas de ocupação esparsa e distantes das fontes”, mas não atendem “à produção de alimentos”; mais adiante, especifica que entre os pré-requisitos para entrar no projeto está a capacidade de oferecer água em quantidade suficiente para que os açudes receptores atuem como pólos de distribuição de água”, além de “garantia no fornecimento de água para atividades agropecuárias e para o abastecimento humano nas áreas vizinhas aos canais que serão utilizados para o transporte de água”. O parecer técnico do Ibama ainda observa (pág. 9) que essas alternativas (cisternas e águas subterrâneas) são viáveis, mas não atendem ao “objetivo principal do projeto”, que é dar “garantia hídrica à região”, assim entendido o fornecimento para irrigação. Também ressalta que o EIA-Rima não fez “uma abordagem de compatibilidade dessas alternativas com o empreendimento, de forma a reduzir o volume de água a ser transposto”. Da mesma fora, pode-se dizer, não foi confrontado o custo da transposição com o custo de dotar todas as populações isoladas – que são as vítimas da seca – de cisternas de placas, que vários autores indicam ser de três a quatro vezes menor que o da transposição. Quando se chega aos números das populações e áreas a serem beneficiadas, a confusão é grande. O Rima menciona, primeiro, 12 milhões de pessoas (pág.3); depois, 7, 24 milhões (pág 64); em seguida, 12,4 milhões (pág. 82); mais adiante, 9,02 milhões (pág. 117). O parecer técnico menciona 7,21 milhões, dos quais 4,65 milhões residentes em áreas urbanas (pág. 20). A mesma imprecisão está presente nos números que se referem às áreas a serem beneficiadas pelo projeto. Num ponto do Rima se mencionam 161.500 hectares (pág. 83); em outro, 186 mil (pág. 122). E há outros. A redução de água disponível para essa geração de energia implica perda de 2,4% ou 137 MWh, diz o Rima. Mas não diz quem arcará com esse custo. Também não menciona que acréscimos haverá nas tarifas de água, já que a transposição exigirá elevar a água centenas de metros, com forte consumo de energia. Serão os irrigantes (que hoje têm tarifas subsidiadas)? Ou será a sociedade, nas tarifas industriais e domiciliares? Não está esclarecimento nem no Rima, nem no parecer técnico, nem na licença. Muitos outros ângulos mencionados no parecer poderiam ser comentados, como o risco de disseminação de doenças, principalmente esquistossomose; possibilidade de conflitos entre uso para energia e para irrigação; os graves problemas de degradação ambiental do cerrado nas partes alta e média da bacia do São Francisco; questões com índios e com o patrimônio cultural. Mas não há espaço. A licença prévia está concedida, condicional no cumprimento de 31 exigências, todas elas complexas, no prazo de um ano. Mas as obras já está sendo licitadas”.
Também o professor Aldo Rebouças, da USP, tem dito que o problema hídrico no Nordeste não é de escassez, é de mau gerenciamento. Algum apoio está no próprio Relatório de Impacto Ambiental (Rima), ao mencionar que estudo, em 90 açudes, mostrou que 75% da água neles acumulada é perdida – por evaporação (pág. 48). E são principalmente açudes que as águas serão transpostas, embora o Estudo de Impacto ambiental (EIA), diga que será possível reduzir essa perda, já que o fluxo constante permitiria acumular menos água.
Os críticos dizem que a vazão máxima do São Francisco a ser transposta para a “Área de Influência Direta” do projeto não será de 3,5% do total, nos momentos de pico (como diz o projeto), já que esse cálculo é feito sobre a vazão total. Mas 80% da vazão está reservada para a geração de energia elétrica; a transposição vai retirar de 24% a 47% da vazão restante.
O parecer aponta a possibilidade de problemas complexos com os solos que se pretende irrigar com a água transposta. À página 10, está escrito que 20% dos solos têm limitações para usos agrícolas; e, “somados aos solos litólicos, notadamente impróprios, respondem por mais de 50% do total”. Mais ainda, 62% dos solos precisam de controle, por causa da forte tendência à erosão. O parecer técnico chega a apontar (pág. 11) contradições do EIA-Rima nessa matéria de solos (pág. 11).
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