“Vá em frente entre numa boa, porque a vida é uma festa. Não controle, não domine, não modele, tudo isso faz muito mal. Deixe que a mente se relaxa. Faça o que mandar o coração. Por isso canta, dança, grita oh oh oh! Não se reprima, não se reprima! Pode gritar! Não se reprima! Dança, canta, sobe, desce, vive, corre e pula como eu”.
Qual adulto de hoje não lembra desta música que foi um dos grandes sucesso dos Menudos nos anos 80? Contudo, nos últimos tempos recordar só não vale. A moda é voltar ao passado e trazer de volta tudo aquilo que fez os adultos de hoje, crianças felizes há alguns anos atrás. O lema é não se reprimir nem ter vergonha de reviver as lambranças da infância.
Ícones da década de 80 como Hello Kittie, super heróis das histórias em quadrinhos, Kichutes e os discos de vinil voltaram a ocupar seus espaços nas estampas das camisas, nos armários, nos toca-discos e na cabeça daqueles que vivem a nostalgia dos tempos de criança. O fenômeno cresceu a tal ponto que até nomeclatura para denominar os que fazem parte deste movimento já surgiu: Kidults, uma mistura das paralvras crianças e adultos em suas versões inglesas (kids + adults = Kidults).
Contudo, este fenômeno está longe de ser ligado apenas a hábitos saudosistas. Ele tem abarcado esferas socio-culturais. O Sociólogo inglês Frank Furedi, em um artigo publicado no caderno “Mais!”, da Folha de São Paulo, trata este movimento como a “crescente infantilização da Cultura Contemporânea, que tem se alastrado pela Universidade, Literatura, Tv, Cinema e Arte em todo o mundo”, demonstrando sua amplitude não só geográfica, como também social.
Um dos vários indicadores de mudanças mais profundas dentro da estrutura social, que podem ser relacionada ao fenômeno Kidult, é a vontade dos jovens de morar sozinho. O rito de passagem de outrora que, dentre outras coisas, simbolizava a independência e a liberdade do indivíduo, hoje dá lugar ao conforto e a comodidade da casa dos pais. Atualmente não é difícil encontrar adultos na casa dos 30 anos que ainda moram com a família. Segundo dados do terceiro ‘Dossiê MTV Universo Jovem’, realizado pela própria MTV, 71% dos jovenes tem nenhum ou pouco interesse em sair da casa dos pais.
POR QUE? – Um dos pontos que tem despertado o interesse de sociólogos e psicólogos, são as motivações que têm levado a este mudança de comportamento. Nesse sentido, o sociólogo Furedi coloca que “o senso de desespero que cerca a identidade adulta ajuda a explicar por que a cultura contemporânea tem dificuldade em traçar uma linha divisória entre a infância e a idade adulta”. No artigo ele explica que resolveu dar atenção a este fenômeno quando mostrava o campus da Universidade de Kent a um colega, e presenciou um grupo de jovens assistindo aos Teletubbies.
Furedi acrescenta ainda duas razões para tais comportamentos. A primeira é a insegurança em relação ao futuro onde estão inseridos um mundo violento e instável e a dificuldade em conseguir emprego. A segunda ele coloca como pouca vocação para a independência, para os compromissos e para a experimentação. Além disso, o sociólogo lembra ainda que este tipo de comportamento saudosista tem sido “uma estratégia implantada implacavelmente pelo cinema e a televisão”.
PARA ELES – Comunidades no Orkut, festas temáticas, coleções de roupa que segue esta tendência são só alguns espaços que têm sido criados para atender os intergrantes deste movimento. Atualmente as visitas ao sebo de discos em buscas de vinis em buscas de LPs do Balão Mágico, Trem da Alegria, Lobão, Xuxa, dentre outros, é apenas uma das muitas atividades nostálgicas dos kidults.
Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Trevisan monstra que existem mais adultos entre 18 e 49 anos que assistem Cartoon Network do que a CNN nos EUA. Outros dois dados que chamam a atenção são que 26% dos telespectadores regulares de Bob Esponja têm mais de 18 anos e que a idade média dos jogadores de videogame é de 29 anos, quanto que há 13 anos atrás era de apenas 18.
É por tudo isso, que além de um movimento sócio-cultural, a existências dos kidults passou a ser também um fenômeno de mercado. A Semana da Moda, o São Paulo Fashion Week, o Fashion Rio são alguns exemplos disso. Algumas grifes, que apresentaram suas novas coleções nestes eventos, desfilaram roupas cor-de-rosa, com laços, estampas de bichinhos, pirulitos e heróis de histórias em quadrinhos.
As festas temáticas também são prova disto. Buscando criar espaços onde os kidults se identifiquem e sintam-se “em casa”, organizadores de eventos têm investido em festas com ambientação e bandas que tocam os sucessos que embalaram a infância dos adultos de hoje. A lambada, o dance, o rock pop dos anos 80, além das músicas infantis são alguns exemplo do que não pode ficar fora do repertório.
Em São Paulo, todos os finais de semana, os kidults fazem filas para entrar na Trash 80´s. O sucesso foi tanto que a festa ganhou uma versão aos sábados. No interior a situação não é diferente. Na cidade de Pinheiros o Darta Jones reúne jovens para jogar Atari, lembra os programas infantis da década de 80, dentre outras atividades.
HEATMUS 80 – Foi, exatamente, no intuito de criar um espaço onde os kidults sergipanos pudessem reviver suas boas lembranças de criança que surgiu a Heatmus 80. Parte de um projeto que prevê oferecer eventos com segurança e qualidade, onde a diversão do público esteja assegurada, como definem os próprios idealizadores da proposta, a Heatmus 80 caminha para sua terceira edição e já é programa certo na agenda dos kidults.
De acordo com André Lima Macedo, um dos organizadores do evento, a idéia de uma festa que tivesse como temática os anos 80 surgiu a partir de uma conversa. “Nós reunimos e começamos a conversar sobre a possibilidade de fazer um evento diferente, relacionado com a nossa época, com o estilo de musica que a gente curtia na adolescência, além de outras coisas marcantes como desenhos animados e jogos da época”, explica Lima.
Este ano, a festa, que acontece hoje, no Espaço Emes, tem como temática os parques de diversão. A proposta da organização de resgatar um elemento muito marcante na infância das crianças da década de 80 acabou atendendo também aos pedidos do público, que queriam que as referências infantis estivessem mais presentes na Heatmus 80.
“A idéia da Heatmus 80 no parque surgiu numa reunião após a realização da Heatmus 80 Lado ‘B’. Nós queríamos fazer uma coisa que ninguém nunca tivesse feito em Aracaju. Aí tivemos a idéia de resgatar esse elemento da infância. Na nossa época de criança não tinha shopping, a diversão estava no cinema do centro da cidade, no circo e nos parques de diversão. Paralelo a isso, veio à aprovação de grande parte do nosso público que estava pedindo um tema infantil”, conta André Macedo.
Os organizadores preparam uma estrutura para receber 7000 pessoas, a maioria com idade na faixa dos 25 aos 40 anos, conforme informação dos organizadores. Dentre as atrações de hoje estão as bandas ‘Viva Noite’, do programa Pânico da Rede TV, Fábrica e Snooze, além dos DJs Léo Levi, Versianni e Luiz Prado. Mas isto não é tudo. Os que forem a Heatmus 80 na noite de hoje, não irão somente relembrar os bons momentos passados nos parques de diversão. Eles poderão revivê-los, pois dentro do Espaço Emes foi montado um parque de diversão com direito a autopista, minhocão, chapéu mexicano, ponte do rio que cai, dentre outros brinquedos.
MODISMO? – As opiniões sobre quanto tempo vai durar este fenômeno são diversas. A empresária e consultora de moda Glória Kalil é uma das partidárias da idéia de que este movimento não perdurará. “Infelizmente os Kidults têm data de vencimento ou, como qualquer outro produto, ficam inusáveis, incomíveis, vencidos, depois de uma certa idade. Uma hora esses grandes bebês vão ter que tomar uma providência e se virar para ter identidade própria e andar para frente”, escreveu em sua coluna ‘Chic’.
Contudo, os kidults parecem acreditar que este movimento é mais do que simplesmente uma fase. Movidos também pela vontade de não se tornarem ‘caretas’, eles parecem estar dispostos a manter vivo seu lado criança. Prova disto está terceiro ‘Dossiê MTV Universo Jovem’, realizado no final de 2004.
No trabalho, pioneiro no Brasil, um dos entrevistados mostra sua mesa de trabalho onde o computador divide espaço com sua coleção de carrinhos miniaturas, dentre outros objetos que o recorda a infância. Perguntado sobre o porquê da manutenção de hábitos iniciados nos tempos de criança, ele responde que é porque não quer ficar nem parecer careta. O entrevistado em questão tem 25 anos.
Entretanto, a existência ou não de prazo de validade para o movimento não parece ser uma preocupação dos kidults. O que eles querem mesmo saber é de continuar usando roupas com temas infantis, assistindo desenho na televisão, se divertindo feito criança num buffet infantil e relembrando as brincadeiras de infância, pois para eles ser um kidult é “ser adulto nas horas necessárias e encarar a vida como uma grande e gostosa brincadeira, como se existisse um túnel do tempo que resgatasse aquela criança que você deixou guardada num álbum de fotografias”, conforme se auto definem numa das comunidades do Orkut criadas para eles.
Por Alice Thomaz
Da Redação do Portal InfoNet