O pedreiro Júlio César leva duas horas para percorrer, de ônibus, os 18 km que separam sua casa na Barra dos Coqueiros de seu trabalho no conjunto Jardim, em Nossa Senhora do Socorro. “Acho que me canso mais no ônibus do que no trabalho”. O estudante Júnior Lemos reclama que, de transporte público, já demorou uma hora e meia entre o conjunto Rosa Elze e o bairro Grageru. “Os semáforos demoram muito, e o caminho tem paradas demais”. A professora Célia Nascimento tem que reservar duas horas diárias para ir e voltar entre a Farolândia e o Centro. “Às vezes até acordo bem, mas por causa do transporte, chego no trabalho estressada”.
Chegar a tempo em algum ponto de Aracaju dentro de um carro já não é a mais doce das tarefas. Mas fazê-lo dentro de um ônibus do sistema de transporte público da capital é apostar contra o tempo – e perder. Engarrafamentos, paradas, semáforos demorados e até a espera – a reportagem apurou que aguardar é 33% do tempo total do deslocamento por ônibus – contribuem para que a vida do usuário seja uma luta diária contra o relógio. Mas se os nós e seus pontos já estão identificados, é hora de pensar nos pontos – inclusive de ônibus – sem os nós. E fazer isso equivale a indagar: o que fazer para aumentar a agilidade do transporte público?
EXCLUSIVIDADE
Todas as respostas passam pela mesma ideia: priorização do transporte público. Raro ponto de concordância entre estudiosos da área e autoridades públicas, o conceito estabelece que eficiência no trânsito é dar vez a quem leva mais gente – ou, no caso de Aracaju, reservar espaço para os ônibus. O primeiro passo, para especialistas e gestores, seria a adoção de corredores para ônibus – as faixas exclusivas. “Elas são o meio mais barato e com consequências mais rápidas”, destaca Alberto Almeida, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju – Setransp.
A medida não é exatamente uma novidade na capital. Na gestão do ex-prefeito João Alves, as faixas chegaram a ser implantadas como parte de um projeto maior. Pouco depois, porém, elas foram questionadas judicialmente, mas segundo a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito – SMTT –, não houve suspensão, e as pistas exclusivas seguem em vigor.
Geógrafo e especialista em engenharia de tráfego, Waldson Costa destaca a criação das faixas como uma boa iniciativa. “Foi um passo importante para priorizar o transporte público com a atual estrutura e sem grandes investimentos. Além disso, como os ônibus fluem livremente, o consumo de combustível diminui, o que reduz a tarifa e torna o veículo mais sustentável ambientalmente”.
Ex-superintendente municipal de trânsito e advogado com formação em engenharia de tráfego, Nelson Felipe frisa que a falta de prioridade para os ônibus é a raiz do excesso de tempo gasto pelo usuário. “Não é razoável passar duas horas para atravessar a cidade. Mas isso acontece porque o transporte público não é privilegiado. Com corredores para os ônibus, a situação melhoraria. Só que a gestão municipal só pensa nos carros”.
Entretanto, segundo Renato Telles, superintendente municipal de trânsito de Aracaju, o Plano de Mobilidade da capital prevê a criação de faixas de prioridade para os ônibus. “Uma das nossas metas é reduzir o deslocamento das principais linhas de ônibus em até 20%. Para isso temos as obras nos principais corredores e a instalação de faixas extras nas avenidas Rio de Janeiro e Hermes Fontes”.
Se há concordância no uso das faixas exclusivas como primeiro passo, já não há quanto à escolha do sistema que as abrigará: se BRT– Bus Rapid Transit –, de corredores segregados, ou o BRS – Bus Rapid Service –, de faixas que são compartilhadas em certos horários. Para Nelson Felipe, o BRT é mais completo. “Quando há segregação, não existe disputa entre veículos para utilizar a faixa. A prefeitura defende o BRS porque não quer investir em transporte público”. Telles, da SMTT, discorda. “Pelas dimensões das nossas vias, seria complicado instalar BRT mesmo nos principais corredores. O investimento também seria muito mais alto, pois o BRT inclui estações de paradas e transições. O BRS exige menos investimento e encaixa em nossas vias”.
REORGANIZAÇÃO
Certas interferências no trânsito também podem ajudar a aliviar o trajeto do transporte público – e uma delas é tecnológica: os semáforos inteligentes. Munidos de uma câmera especial que identifica a quantidade de carros das vias, os equipamentos podem beneficiar os ônibus. “Se de um lado tenho um carro e do outro um ônibus com 60 pessoas, o semáforo inteligente tem a capacidade de liberar o ônibus. Isso significa trabalhar pela maioria”, explica Alberto Almeida, do Setransp.
Nelson Felipe frisa que a ferramenta otimiza os sinais. “Ficar um minuto e meio parado em um sinal não é aceitável em lugar nenhum. Os semáforos inteligentes liberam mais tempo para um lado e menos para o outro, sem tempo pré-determinado”. De acordo com a SMTT, os equipamentos estão em fase de testes e devem ser instalados em meados de dezembro.
A reorganização dos pontos de ônibus é outra medida apontada para agilizar o transporte público. A SMTT confirma que algumas linhas são prejudicadas pelo excesso de paradas, e o ex-superintendente Nelson Felipe reforça que há orientação da Associação Nacional de Transportes sobre espaços entre elas. “O ideal é que haja distância de 500 metros de um ponto para o outro”, ressalta.
De acordo com Telles, da SMTT, algumas soluções foram pensadas. “Queremos aproximar paradas de ônibus e semáforos e manter uma distância de 500 metros entre os pontos. É normal que os usuários peçam mais pontos, mas isso deixa a trajetória muito ‘picotada’, e a velocidade média da viagem fica muito baixa”.
PLANEJAMENTO
O aumento da agilidade do transporte público também depende de informações. Para Waldson Costa, as demandas de Aracaju ainda não são bem analisadas. “Precisamos de estudos que nos apontem origens e destinos de quem anda de ônibus em Aracaju e que nos deem outras possibilidades”.
Ainda segundo Costa, falta mais integração entre a estrutura do transporte e as políticas habitacionais. “Precisamos saber quais os eixos da expansão urbana demandam transporte. Hoje não há planejamento, é tudo paliativo, tapa-buraco”. Já a SMTT garante que planejar é atividade diária da entidade. “É prática nossa receber e analisar as demandas de linhas, ver se cabem ajustes, analisar vetores de crescimento e adequar o transporte ao maior número de pessoas possível”, ressalta Renato Telles.
Mas entre tantos caminhos diversos, há um ponto de convergência entre autoridades, especialistas e cidadãos em torno do assunto transporte público: torná-lo mais rápido significa atrair usuários; atrair usuários significa reduzir o número de carros na rua; e reduzir o número de carros na rua significa, no fim das contas, trânsito melhor.
“Quando o transporte público tem pontualidade e preço justo, é possível atrair o desempregado e o usuário de classe média. E quando o motorista de carro percebe que, de ônibus, consegue saber que horas chega no trabalho, ele não pensa duas vezes em deixar o carro em casa”, destaca Waldson Costa. O segurança Jorge dos Santos, que não anda de ônibus há dez anos, confirma a tese. “Se os ônibus me deixarem nos lugares nos horários que eu quero, largo o carro”. Alberto Almeida, do Setransp, ressalta a vantagem ambiental da redução de veículos. “Com linhas mais rápidas e menos carros nas ruas, poluímos menos. Assim, a prioridade para o transporte contribui com a saúde da população”.
Diante da possibilidade de deixar de ver o tempo como um inimigo, os usuários de ônibus recorrem a um exercício comum a todos eles: passar a imaginar o que fazer com as horas a mais. O estudante Júnior Lemos pensou na faculdade. “Teria mais tempo para estudar”. A camareira Dara Gomes se viu mais eficiente no trabalho. “Eu adiantaria várias coisas no serviço”. Já a professora Célia Nascimento imaginou mais qualidade de vida. “Umas horas a mais? Seria bom para dormir melhor”.
Por Igor Matheus
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