“Respire…e conte até 10!”: espetáculo descreve a presença da violência no cotidiano

A violência está tão entranhada no dia-a-dia da sociedade moderna, que quase não é perceptível o quanto do comportamento de cada indivíduo também é violento. Com o objetivo de proporcionar uma breve, mas importante, reflexão sobre o impacto da brutalidade no cotidiano, o espetáculo “Respire… e conte até 10!”, montado pelo grupo sergipano Caixa Cênica, está em cartaz aos sábados, sempre às 20 horas, durante o mês de julho, no Teatro do Centro Cultural Yázigi Internexus. O que tem de atual e inovador, o espetáculo também traz de verdadeiro. Os figurinos e maquiagem são um item à parte. Um verdadeiro ‘choque estético’. Em uma entrevista para o Portal InfoNet, os atores Leandro Goddinho e Diane Veloso falam sobre a proposta da peça e sobre a experiência de montar um espetáculo que foge a tradição dos palcos sergipanos. PORTAL INFONET – Como surgiu a idéia de montar o ‘Respire… e conte até 10!’? DIANE VELOSO – O espetáculo surgiu de uma vontade muito grande minha, e de Leandro, de montar alguma coisa que fugisse um pouco daquilo que a gente vê com freqüência aqui, que é um estilo de teatro mais regionalista e naturalista. Mais popular. Então nós abrimos mão desta fórmula em busca de uma linguagem nossa, e nova, para nós mesmos, do Caixa Cênica. LEANDRO GODDINHO – Daí lemos o livro ‘Angu de Sangue’, de Marcelino Freire, um pernambucano que hoje mora em São Paulo, e ficamos muito empolgados. Aquilo era maravilhoso. Nós lemos o primeiro texto, sobre uma mãe que estava entregando uma filha que tinha acabado de nascer, e ficamos chocados com isso. E fomos vendo outros textos, escolhendo e fazendo pesquisa. Só então partimos para a pesquisa mesmo, sobre a violência urbana, sobre o caos, a barbárie. Após um ano pesquisando, desenvolvendo cenas, e mudando, surgiu este espetáculo que não é estático. Ele é extremamente atual, fala sobre Estados Unidos, Torres Gêmeas, Guerra e Iraque, de violência. E é isto. Se aparece um texto, um fato novo, a gente vai incorporando naturalmente. INFONET – O espetáculo vai mudando de cara conforme o tempo vai passando. Mas como entra a questão da violência no meio? DV – De forma natural. Como sabemos, a violência é um tema extremamente discutido, é atual – sempre será atual – mas por vermos que este é um assunto muito mal debatido, então fomos em busca dele mesmo e deu demos de cara com o trabalho de Marcelino. Então escolheu alguns textos que se identificaram mais com o grupo e com a nossa realidade, e aí a gente optou por isso e deu no que deu. E quanto à atualização do texto, nós sempre buscamos fatos atuais. Afinal, a gente recebe tanta informação diariamente, que é um pecado desperdiçar. E já que a pessoa se predispõe a sair de casa e ir ao teatro, cabe a nós, pelo menos, tentar oferecer estas informações a ela. INFONET – Tem hora que o espetáculo descamba para o riso. Dá para rir da violência? LG – – Os textos de Marcelino são muito sarcásticos. Eles já brincam um pouco com uma coisa que não tem graça, mas não tem como você não rir. É um riso amarelo. Desconcertado. De quem fala para si mesmo: ‘Meu Deus, é verdade!’. Além disso, também optamos não levar o espetáculo na linha do dramalhão. Fazer sensacionalismo em cima da violência, isso já tem, de sobra, na televisão. Procuramos a reflexão mesmo. Este não é um espetáculo de entretenimento. Eu até li, um dia desses, que entretenimento é matar o tempo. Nós não queremos isto de jeito nenhum. A peça é para refletir mesmo, para pensar mesmo, sobre o que está sendo apresentado, e, daí tomar um partido. INFONET – No material de divulgação da peça, vocês afirmam que o espetáculo utiliza ‘a técnica expressionista’. Como é isto? DV – No início queríamos uma linguagem que explorasse, ao máximo, o tema, as nossas intenções e anseios. Aí, esbarramos no expressionismo. Inicialmente fomos levados pelo expressionismo da dança, através do Saulo Uchoa, que foi nosso preparador corporal, porque nunca tivemos nenhuma vivência com o expressionismo no teatro mesmo. Depois, partimos da dança para o expressionismo nas artes plásticas. Só que com o tempo, fazendo a nossa pesquisa corporal e estética, a gente descobriu uma coisa que não batia com o que a desejávamos: o expressionismo é extremamente histriônico. E percebemos que não queríamos isso. Essa grande tendência ao exagero, típico do expressionismo, mas que não tem fundamento. Acabamos, no início, caindo muito nisso. Era uma expressão muito corporal, muito exagerada, com muitos gritos. Com tempo, e mais pesquisas, fomos limpando os excessos. LG – Na verdade nós nem utilizamos mais essa história que o espetáculo é na linha expressionista. Ele só tem uma pitada desta tendência. Ele tem resquícios de muita coisa, porque fizemos mil experimentações. Enfim, saímos do expressionismo e fomos buscar personagens que criassem uma identificação grande com o público. Porque não adianta fazer uma coisa muito distanciada daquilo que as pessoas são, porque daí elas falam: ‘eu não sou isso’. E não se identificam com o espetáculo. Por isso a gente buscou dar uma limpada para buscar uma ponte com um público. As histórias são um espelho. Aquelas pessoas que estão no palco podem ser qualquer um. INFONET – Como vocês apresentam as histórias? LG – São quadros, na verdade, que mostram personagens diferentes. Apesar disto, suas histórias são ligadas pelo mesmo tema: a violência. Durante a pesquisa, percebemos que a mídia trata as pessoas como se elas não tivessem rosto, nem identidade, tipo: ‘você não é homem, nem mulher, você é um número de estatística’. Então colocamos um pouco disto nos personagens. Eles são um homem e uma mulher, não têm rosto, são idênticos – a maquiagem é igual, fica muito parecido – e até na linha de interpretação todo mundo está falando que as vozes estão parecidas. Eles são todo mundo, mas no fundo não são ninguém. E de acordo com cada cena, cada personagem vai assumindo características de um todo, de um ser humano no geral. DV – Exato. Em ´Respire… e conte até 10!’, desde o próprio nome trabalhamos com uma questão muito séria que é a tolerância. Hoje em dia não toleramos mais nada. Não respiramos mais e contamos até dez. Não nos damos ao trabalho de pensar que por trás de um fato isolado, que nos irrita, aconteceram vários outros que culminaram naquilo. Então, não podemos estar julgando ninguém. Na peça também tratamos de vários tipos de violência: psicológica, sexual, física e até a violência do amor. Porque este é um assunto que choca, a pessoa se vê ali, desmascarado. INFONET – Como foi que o diretor Sidnei Cruz entrou no projeto? DV – O contato com o Sidnei Cruz veio com a proposta inicial do Grupo Caixa Cênica, que era de fazer alguma coisa diferente aqui em Aracaju. A proposta era rediscutir o teatro sergipano e nacional. Então a gente realizou uma conferência com o Sidnei, que foi o primeiro passo do nosso grupo. Para a montagem do espetáculo ele entrou um pouquinho depois, mas já empolgado com a idéia. Ele nem ia dirigir, na verdade, mas a gente estava sempre discutindo com ele, mandando notícias, falava o que fazia e precisava e ele começou a se interessar e aí foi quando fizemos a proposta e ele adorou. Já veio aqui três vezes. INFONET – E o patrocínio? LG – É aí onde mora todo o caos. Nós estamos, há um ano, atrás de patrocínio. É chorando ali, mendigando acolá, e agradecendo a todos os parceiros que nos apoiaram, que foram: Sebrae, SESC, Funcaju, Divina Gula, Chopp 13,Teimonde, Cultart, Secretaria Estadual de Cultura, Escola Espírito Santo, Base Propaganda, Sercore, Aracaju Outdoor, Yázigi Internexus e Studio Acioly. Agradecemos muito à estas empresas que acreditaram em nosso trabalho e pedimos que outros patrocinadores se estimulem a nos apoiar. E que, claro, o público venha assistir. AVISO: O Grupo Teatral Caixa Cênica está realizando audições para a escolha de um novo ator, que substitua Leandro Goddinho – que deve mudar em agosto para São Paulo. Informações sobre os testes através dos telefones (0xx79) 222-6756 ou 8803-6979.

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