Sergipanos barrados na Espanha falam ao Portal Infonet

Renata, Diego e Rafaela: brasileiros que conseguiram entrar na Espanha
Cerca de 25 brasileiros ficaram retidos este final de semana no Aeroporto de Madri, na Espanha. Ao total foram 40 estrangeiros de origem latina e dentre eles, três sergipanos. Rafaela Araujo, Diego Araujo e Renata Siqueira foram a passeio e ficaram detidos um dia e meio até serem liberados. Com exclusividade, Rafaela e Renata contaram ao Portal Infonet como foi ter ficado 32 horas em salas minúsculas e como saíram com a ajuda dos pais e do advogado e presidente da OAB Nacional César Britto.
 

Portal Infonet- O que foi que aconteceu?

Rafaela Araujo- A gente saiu de Salvador no sábado. Saímos às 22h30. O vôo foi normal, durou oito horas. Chegamos em Madri ao meio dia, horário local, e a primeira coisa que fizemos foi ir para um guichê da alfândega para que nossos passaportes fossem carimbados e assim poderíamos entrar no país. E quando nós três chegamos lá, eles pegaram os nossos passaportes e perguntaram “Vieram aqui para que? Vão passar quantos dias?”. E respondemos “Viemos para turismo e vamos passar 30 dias”. Aí completaram “Tem conhecidos ou família aqui?” e respondemos que sim, já que a irmã de Renata, minha cunhada, mora na Espanha. A coisa já começou daí, pois com essa resposta o guarda nos olhou feio. Foi então que ele perguntou quanto tínhamos em dinheiro. E, ao respondermos que estávamos com trezentos euros, ele nos olhou surpresos perguntando se eram para os três. Respondi que, naquele momento, era.

 

Infonet- Ele achou que vocês só tinham levado trezentos euros para passar um mês?

Rafaela-  Sim. Só que nós vimos no site do consulado que cartão de crédito é válido como dinheiro. Então, se ele tivesse pedido na hora para mostrarmos os extratos do banco provando que tínhamos 3 mil euros cada um, nós tínhamos passado sem maiores problemas. Além disso, tínhamos reserva de hotel, ingressos para o Cirque Du Soleil, passagens para outras cidades, tudo comprado antecipadamente. Dava para provar que éramos realmente turistas. Que se quiséssemos morar aqui, não íamos gastar dinheiro comprando, reservando.


Infonet-
E aí, o que aconteceu depois disso?

Rafaela- Fomos encaminhados a uma sala de espera. Chegando lá falamos com outro policial que chamou somente minha cunhada para conversar. Era uma espécie de entrevista. Renata entrou sozinha na sala do policial.

 

Infonet- Renata informou que já era a quinta vez que ela ia à Espanha?

Rafaela- Não, ele não perguntou. Ou melhor dizendo, eles não deixam a pessoa falar. Eles são super arrogantes. Na hora que o policial a chamou, só perguntou quanto ela tinha de dinheiro. Quando Renata foi tirar os trezentos euros na bolsa e o extrato para mostrar que tinha mais dinheiro na conta, ele não deixou. Falou “não, eu não quero ver” e começou a rir da cara dela. Ele ria, gargalhava alto.

 

Infonet- Mas por quê?

Rafaela- Ele estava tripudiando mesmo! Mandou-nos aguardar novamente e sempre respondia que não sabia de nada, quando o questionávamos. Primeiro falamos com esse policial e, não obtendo resposta, fomos falar com outra. Foi aí então que ela nos mostrou um documento dizendo o por que de termos sido barrados alegando que não tínhamos dinheiro suficiente e nem a documentação correta para estadia no país. E Renata retrucou dizendo que estava com toda a documentação em mãos e que queria mostrar. Mais uma vez a policial se negou a ver, afirmando que a entrevista com o pessoal da alfândega seria naquele mesmo dia às 17h. Estariam presentes um advogado e um intérprete. E falou que toda a documentação deveria ser apresentada somente nesta entrevista.

 

Infonet- E depois, o que aconteceu?

Rafaela- Daí nós subimos para outra sala, bem pequena. Fomos apresentados a uma assistente social que nos tratou muito bem. Ela nos explicou que não poderíamos ficar com alguns objetos como cinto, pasta de dente, remédio. Seguimos para um local onde havia outro policial que nos revistou, de forma educada. Pediu que nós abríssemos as bolsas e, cada objeto não permitido, ele falava que se quiséssemos usar era só pedir a ele.  Ele pôs tudo em um plástico preto, na nossa frente. Esse tal plástico ficou trancado dentro de um quarto. Até chiclete não se salvou, pois o que eu tinha na bolsa ele jogou fora. Confiscou também celular, câmera fotográfica. Só deixou comigo revista, por que era papel, minha carteira (e mesmo assim eu tive que tirar o dinheiro dela e colocar no bolso) e minha escova de dente (sem a pasta). Só que com a minha cunhada foi estranho. Eles apreenderam a carteira dela, deixando-a sem documentação. Entramos nessa sala que parecia um albergue por ter algumas camas e, quando vimos, começaram a chegar um monte de brasileiros, cerca de uns 25. O restante era latino. Avisaram-nos que a comida iria chegar por volta das 13h (já era meio dia) e o jantar, às 20h30. Quando o almoço chegou, ninguém quis por que era Paeja e é uma comida muito salgada. Iríamos ficar com sede. Eu comi somente duas batatas que acompanhavam o prato. Também acompanhava um pão, que por sinal estava muito duro e uma laranja. Só. Ninguém que estava neste albergue quis comer. Todos deixaram a comida no prato. E mal sabíamos que, pelos costumes locais, se não quer comer deve jogar a comida imediatamente fora. Não pode deixar na mesa. Se não quer, joga no lixo. E quando um dos guardas entrou e viu os pratos em cima da mesa, começou a gritar conosco “Que bagunça! Vocês tem que comer o que a gente serve. Se não quiserem comer isso, vão comer merda!”. Ele não estava nem aí para nada, nem para ninguém. Tinha criança na sala e ele não respeitou nem isso. Apresentou-se como Paco, mas não sei se é o nome verdadeiro porque nenhum policial possuía identificação.

Chegou certo momento que um pessoal de São Paulo, que também havia sido barrado, começou a reclamar por não serem informado os motivos pelo qual estava preso. Eles não dizem o motivo. Como é que eu vou avisar ao meu familiar que estou presa e, para completar, estou sem a posse do meu documento? Eles não avisam nada.

 

Infonet- Eles não deixam entrar em contato com a família?

Rafaela-  Eles deixam. Tanto que tinham três orelhões na sala e nós demos os números desses orelhões para nossas famílias ligarem para nós. Além disso, compramos cartão telefônico. O que foi realmente ruim foram o tratamento que recebemos dos guardas e a comida. Foi terrível a pressão psicológica que dois guardas fizeram com a gente boa parte do tempo. Só poderíamos comer a hora que eles quisessem. Não escovamos os dentes, apesar de terem prometido a gente o creme dental caso precisássemos. Só fui escovar os dentes às 14h da segunda-feira, dia 26. Maus-tratos eram com higiene pessoal e atendimento. Inclusive tinha uma moça chamada Kauyna, de Vitória da Conquista que teve dor de cabeça, alegou que sofria de bipolaridade e não recebeu seus remédios quando os requisitou. Ela chorava toda vez que falava com a mãe no telefone, pois não entendia o motivo pelo qual estava sendo presa já que só estava em Madri fazendo escala. Seu destino era a Itália, onde veria a mãe. O bom é que todo mundo se uniu. E o que realmente nos ajudou foi isso, pois ninguém estava sozinho. Todos se ajudavam.

Infonet- E como vocês foram liberados?

Rafaela- A mãe de minha cunhada entrou em contato com César Britto, advogado e presidente da OAB Nacional. Ele providenciou tudo: advogado, falou com a embaixada brasileira em Madri. O pessoal da embaixada falou que ia tentar resolver tudo. Só que depois, quando voltamos da entrevista, acabou não dando em nada. Fomos informados de que íamos voltar ao Brasil. Quando a minha mãe soube disso, ficou desesperada pois teríamos de ficar mais um dia na Espanha até sermos mandados de volta. E ela não queria que passássemos por isso. Então meus pais foram no Aeroporto de Salvador falar com a companhia aérea na qual havíamos embarcado, para tentar alguma passagem que nos levasse de volta mais cedo. Chegando lá, encontraram um conhecido que trabalha nessa companhia e que conseguiu falar com a matriz na Espanha explicando a nossa situação, que estávamos lá a passeio.


Infonet- E quais foram os argumentos utilizados para que vocês fossem liberados?

Rafaela- Não sei. Só sei que os policiais que nos barraram argumentaram com a empresa aérea que não estávamos em posse da documentação necessária como, por exemplo, as reservas de hotéis e o dinheiro. Mas nós estávamos! Eles é que se negaram a ver. Provavelmente eles pediram aos policiais que examinassem nossas coisas, que foram confiscadas, para provar que estávamos dentro das exigências e, por conta disso, fomos liberados. Tentamos mostrar mais cedo essas coisas, mas eles se negaram a ver. E outra: também afirmamos que estudávamos, éramos sustentados pelos pais. Ou seja, não havia a possibilidade de estarmos indo à Espanha para morar. E nem a intérprete como a assistente social e um policial que as acompanhava entenderam o motivo pelo qual estávamos impedidos de entrar no país. Os policiais não queriam nos dar os nomes, diferente das assistentes sociais que se apresentaram assim que nos encontraram além de possuírem identificação por crachá.

Renata Siqueira- Eles disseram que ficamos detidos por muito tempo por que entramos em contradição no nosso depoimento.

 

Infonet- Eles disseram quais foram essas contradições?

Renata- Não. Inclusive quem falou sobre isso foi a minha mãe, por que eles não nos informaram nada. Quem disse a ela foi César Britto, que afirmou ter falado com o cônsul em Madri e foi ele quem afirmou isso. César só fez passar a informação à minha mãe. E eu não sei quais contradições são essas por que ele perguntou para mim o que eu ia fazer na Espanha e eu respondi que era a quinta vez que visitava o país. Estava indo visitar a minha irmã e aproveitando para passear. O policial ainda insistia “Sim, mas o que é que você quer ver aqui no país?”. E eu, Rafaela e Diego já sabíamos o que íamos visitar. E todos deram a mesma resposta: Plaza Maior, Plaza Del Sol, Palácio Real. Além disso, perguntaram a Rafaela o que ela fazia. E ela disse que estudava jornalismo, assim como eu estudo Farmácia e Diego, Engenharia Civil.

 

Infonet- E o que vocês pensam em fazer quando voltarem ao Brasil?

Renata- Além de nós três, há outra brasileira que ficou retida no aeroporto. Conversamos e decidimos fazer, no momento, um blog. O que é inadmissível nisso tudo não é o fato de brasileiros serem barrados. Há brasileiros que precisam sim ser barrados mas em determinadas situações como aqueles que não tem dinheiro e vão à Espanha atrás de emprego. Tinha uma moça assim, no lugar onde ficamos. Tem gente que vai nessa intenção e eles precisam barrar esse tipo de pessoas por que a taxa de desemprego no país está alta e eles não tem condições de admitir todos que procuram emprego. Mas eles nos barraram sem motivo. Tínhamos tudo provando que possuíamos dinheiro e que iríamos embora em 30 dias.  Além disso, não saímos do Brasil para sermos mau tratados em outro país. Eles tinham que analisar que, como turista, estou levando dinheiro e, portanto injetando capital na economia deles em época de crise. Se não nos queriam lá, tudo bem. Mas o que se tornou inadmissível foi o tratamento que recebemos. Para mim não ter direito a higiene pessoal foi o pior de tudo.


Infonet- Cogitou-se a possibilidade de processar o Estado. Como é que vocês vão fazer, quando chegarem?

Renata- Eu acho que, no momento, a pessoa que mais precisa pensar nisso foi a moça que ficou, já que ela foi lesada financeiramente. Tivemos danos morais. Perdemos tempo, nossos pais ficaram aflitos. Passamos maus bocados. Mas, agora, é muito mais importante esta moça entrar na justiça do que nós, por conta dos gastos que ela teve com passagem aérea. Não acredito que retaliação seja a melhor maneira de lidar com essa situação. Também não concordo espanhol passar por tudo o que passamos, em terras brasileiras. O que a gente quer é que mais ninguém, seja brasileiro, paraguaio, passe pelo o que a gente passou. Isso sim, nós vamos batalhar para conseguir. Por que só sabe o que se sente quem passa. E não há como provar se policial foi ou não bruto com a gente, por que não temos câmera para registrar.


Infonet- E como foi no momento da liberação de vocês?

Renata- Nossos pais já haviam nos contatado dizendo que já estávamos liberados. Isso foi em torno de meio dia, horário local, da segunda-feira. Só que continuávamos presos. E quando perguntávamos aos guardas, eles diziam que não estávamos soltos ainda. Foi aí que uma moça que estava em nosso grupo e falava espanhol se ofereceu para falar com a assistente social. Ela perguntou por que Diego, irmão da Rafaela, não havia sido liberado. Só que, para a assistente, constava que ele já havia sido. E retrucamos, dizendo que não. Achamos essa conversa muito estranha e eu retornei a ligar para o meu pai, para explicar a situação. Ele teve que conversar com todas as pessoas que ele já havia conversado de novo e, a partir daí, veio a ordem para nos soltarem. Fomos liberados às 20h30 pela mesma policial que havia negado lençol e pasta de dente para nós. Chamaram-nos pelo nome e nos liberaram. Devolveram o plástico preto onde estavam nossos pertences, não permitindo que abríssemos dentro do aeroporto. E caíram na besteira de entregar o documento que afirmava não estarmos em posse dos documentos necessários. Descemos correndo para uma sala, carimbaram nossos passaportes e ficou por isso mesmo, sem explicações. E a única coisa que tenho para provar que fiquei retida na Espanha é esse tal documento, que eu acredito que eles tenham esquecido com a gente. Queremos agora curtir as nossas férias. Quero curtir minha sobrinha e minha irmã que moram aqui e, quando chegarmos ao Brasil, a gente resolve o que vai fazer. Primeiro faremos o blog denunciando. Depois, pensamos nas questões legais.

 

Colaboração: Lara Gouvea

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