Violência contra a mulher: um dano contra o universo feminino

O Seminário sobre “Capacitação para policiais que atuam com mulheres em situação de violência”, realizado na sede da Academia de Polícia – Acadepol, contou com a participação do juiz de Direito Hélio Braz (Recife/PE), com o tema “A violência contra a mulher e os Direitos Humanos: a Lei 9099/95 e a convenção de Belém do Pará”. O evento foi realizado através de uma promoção conjunta do Ministério da Justiça, Secretarias de Estado do Direito da Mulher e da Secretaria de Segurança Pública de Sergipe, bem como do Programa de Estudos de Gênero e Saúde – Musa – da Universidade Federal da Bahia. Em entrevista exclusiva ao Portal InfoNet, Hélio Braz falou da importância desse trabalho que vem sendo feito em nível nacional e das leis que dão proteção à mulher que sofre a violência doméstica. PORTAL INFONET – Qual a importância de estar trabalhando esses profissionais que lidam diretamente com as mulheres que sofrem de violência? Hélio Braz – A importância maior é prestar um serviço mais rápido e mais eficaz de combate à violência doméstica. Hoje sabemos que a operação das entidades envolvidas, tanto da Polícia, Ministério Público e Judiciário, precisam ser integradas. A importância desse treinamento é fazer com que, a partir da polícia, haja uma integração com as outras entidades. PI – Ao seu ver, qual o melhor e mais eficiente modelo de atendimento à mulher que sofre a violência? HB – O melhor modelo é aquele em que a sociedade participa. A violência doméstica hoje não é mais somente considerada uma questão de polícia, ela é muito mais considerada uma questão de saúde pública, daí que o modelo precisa inserir na sua integração operacional a Secretaria de Saúde, Segurança Pública, o Judiciário, Ministério Público, enfim, toda a sociedade numa rede integrada de atendimento à mulher. PI – O Sr. estava falando na Lei 9099/95. O que trata esta lei? HB – Essa é a Lei dos juizados criminais. Ela trouxe para um atendimento informal, simplificado, todos aqueles crimes considerados de menor potencial ofensivo. No que diz respeito à violência doméstica, é a lesão corporal, a ameaça, as vias de fato, são esses crimes mais comuns dentro do ambiente familiar que todos são atendidos por esta Lei. Só que ela, como as demais Leis do país, não tem uma discussão da violência de gênero do homem contra a mulher. A Lei, na realidade, precisa de uma interpretação, precisa que seja feita uma boa leitura dela e que nós, que trabalhamos no sistema de justiça, saibamos onde aplicar esta Lei de maneira eficiente. Dessa forma, poderemos de fato atender dentro dessa perspectiva de rede – de atendimento sistemático e operacional – ou seja, para que a gente possa atender melhor e prestar, com certeza, um serviço mais rápido, mais célere e, principalmente que dê uma solução social para questão da violência doméstica. PI – O Sr. citou também a “Oficina do agressor”, que vai mudar de nome, passando a ser a “Oficina do homem”. Fale um pouco sobre este projeto. HB – A oficina do agressor é uma grande novidade. É uma consciência crítica da própria polícia, do próprio sistema de justiça que entende que o agressor doméstico precisa muito mais de um atendimento, para que ele possa recuperar a sua saúde psicológica, moral e até mesmo religiosa. A nossa aprendizagem como homens e como mulheres é uma aprendizagem de relação de dominação e, via de regra, todos os homens agressores domésticos querem mudar. As mulheres não querem que eles sejam presos, elas querem que eles melhorem, querem apenas dar o famoso “sustinho” que elas pedem que os delegados e delegadas dêem aos seus maridos agressores. Essa oficina vem a trabalhar isso, esses papéis, do homem e da mulher, tentando mudar o padrão de comportamento masculino para permitir que a família se mantenha unida de maneira saudável. PI – Antes desse projeto, como a justiça trabalhava esse lado psicológico, tanto do homem agressor quanto da mulher? HB – Isso não era trabalhado. Nós não temos, dentro do Direito brasileiro, dentro do nosso conjunto de leis, uma criminologia feminista. Temos artigos, como o 129 – lesão corporal – que é o mesmo aplicado tanto para um tapa que um homem dá no outro em um campo de futebol e para um tapa que esse homem dá em uma mulher, numa relação mais complexa, num ciclo de violência muito mais intenso, mais prolongado. Nós não temos artigos nem leis específicas para a violência doméstica, daí a necessidade de um treinamento, uma habilitação dos profissionais – Polícia, Ministério, Público e Judiciário – para que se possa atender melhor. Queremos um dia chegar a uma lei que atenda à violência doméstica, porque não havia tratamento nenhum, não havia compreensão política desse problema dentro do Poder Judiciário. Esta lei 9099, embora se preste a atender esses casos, não foi feita para isso. Nós é que estamos interpretando e pensando em cima da lei, em uma melhor forma de atender e evoluir. PI – Há, então, a possibilidade de criação de uma nova lei que atenda especificamente a esses casos? HB – É o que nós queremos. Todo esse nosso trabalho visa também a criação não somente de tipos legais, mas de uma política criminal que dê mais atenção à violência doméstica, violência contra a mulher, a criança, ao idoso e que a gente possa de fato, ter todo o sistema de justiça trabalhando de forma unificada, com um entendimento não único, mas próximo. Queremos ter, na nossa diversidade cultural entre os Estados do país, uma compreensão do que é a violência doméstica, de como o sistema de justiça pode trabalhar e funcionar melhor, de como as ações – que muitas vezes são ações privadas, como o estupro, onde somente se a mulher comparecer para prestar queixa é que o processo será levado à diante – podem se transformar em ações públicas. O dano que houve não foi contra “Maria” ou contra “Joana”, o dano foi contra o universo feminino, contra a mulher, contra a sociedade e a família. A nossa pretensão é ter uma Lei especial como a de tóxicos, de crime ambiental, a do estatuto da criança e do adolescente. Ter uma Lei que cuide da violência doméstica para que a gente possa – o sistema de justiça como um todo – trabalhar melhor e embasado nesta Lei, não apenas nesse esforço que a gente faz hoje de interpretação, de uma compreensão política dessa Lei 9099, que é uma Lei que já cumpriu o seu papel. Temos que avançar um pouco mais e caminhar por esta Lei que esperamos conseguir em curto ou médio prazo.

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