Como forma de celebrar e levar mais visibilidade aos locais de memória da população negra em Aracaju, capital de Sergipe, a Egbé Mostra de Cinema realizou no último domingo, 27, a 1ª Caminhada Preta Egbé em parceria com a Circular Black. Com roteiro traçado por bairros como Siqueira Campos, Bairro América e Getúlio Vargas, o evento foi conduzido pelo historiador e professor Osvaldo Neto, junto ao guia de turismo Elias Ramos.
De acordo com Osvaldo Neto, a narrativa histórica sergipana é representada, principalmente, pelas instituições e por setores da elite, deixando de lado a classe trabalhadora e a população negra que contribuiu e segue contribuindo na história e na economia da cidade. “Aracaju é uma cidade que já nasceu excluindo. Quando a capital sai de São Cristóvão para cá, ela traz toda essa herança de oligarquias do açúcar. Mas, aqui, viveram pretos e pretas que trouxeram uma identidade para a cidade, trouxeram manifestações culturais e estiveram presentes em instituições importantes. Os locais que a gente visitou hoje trazem toda essa herança e essa memória da população preta da cidade”, detalhou o professor.
A caminhada teve início no bairro Siqueira Campos, o antigo Aribé, que conforme explica Osvaldo Neto, teve como sua primeira ocupação pessoas pretas. Seguindo pelas ruas do bairro, o grupo pôde conhecer dois dos cinemas de rua aracajuanos que hoje se encontram desativados, o Antigo Cinema Siqueira Campos e o Antigo Cinema Vera Cruz. Na região, também encontra-se o parque ferroviário. “É daqui que veio um dos sindicatos mais importantes da história política de Aracaju; o Sindicato dos Rodoviários controlado por líderes sindicais pretos. Quando a gente pensa nesse bairro, ele também é cultura. Aqui mora o nosso querido Severo D’acelino e daqui saiu o grande poeta Santos Souza”, destacou Osvaldo Neto.
Continuando o trajeto, agora, pelo Bairro América, figuras como Mãe Nanã receberam destaque, assim como o samba promovido pelo Centro Social Dom Vicente Távora. Na praça Roosevelt, a professora Cláudia Evaristo recebeu o grupo e compartilhou um pouco da sua experiência como moradora. “Moro há 35 anos aqui e tenho muito orgulho desse bairro, aqui é resistência.” Ainda na região, o grupo teve a oportunidade de conhecer o Abassá São Jorge, Terreiro de Candomblé mais antigo de Aracaju, localizado na rua Mãe Nanã e, também, a Igreja dos Capuchinhos, local que oferece uma vista privilegiada da cidade. O percurso na região foi encerrado no prédio do antigo Presídio de Aracaju.
Moema Costa Nascimento, fotógrafa e pesquisadora, foi uma das integrantes da caminhada e classificou o evento como fundamental. “Isso aqui faz falta, a gente só percebe quando acontece porque são histórias sobre nós, a história da cidade conforma a gente também. Como pesquisadora, vir aqui adquirir esses conhecimentos e poder compartilhar, multiplicar isso depois é de fundamental importância. Essa caminhada precisa acontecer mais vezes”, afirmou a aracajuana.
Já o corretor de imóveis Johnes Ferreira enfatizou o olhar mais profundo que a vivência propiciou aos espaços visitados. “É interessante para nós, enquanto pessoas pretas, saber o que o que pessoas pretas fundaram, saber qual foi a nossa contribuição e o que foi excluído, de certa forma. É importante que outras pessoas venham conhecer esses lugares. Taxam a Zona Norte como problemática, ruim, criminosa, mas coisas boas vem daqui também. A cidade cresceu, mas não cresceu somente do lado de lá, cresceu daqui também”, observa Johnes Ferreira, destacando que mesmo tendo morado na Zona Norte, a experiência foi bastante proveitosa.
O circuito abrangeu, ainda, os bairros Cirurgia e Getúlio Vargas passando pelo Centro de Criatividade, pelo Geruzinho e pela comunidade Maloca, o primeiro quilombo urbano de Sergipe. A caminhada, que contou com apoio de um micro-ônibus, terminou no Largo da Gente Sergipana. “As representações do patrimônio imaterial traz um pouco de resgate esquecido da nossa memória. Nunca se pensaria, num Sergipe provincial, homenagear Lambe Sujo e Caboclinho. Isso aqui é novo e é importante, mas ainda é pouco porque não vemos Arthur Bispo do Rosário em nenhum logradouro público”, problematizou Osvaldo Neto.
Luciana Oliveira, diretora geral da Egbé, também tocou nessa questão. “Ainda temos na cidade muitas placas de rua e logradouros fazendo referência a escravocratas, a militares, e, em Sergipe, sabe-se pouco sobre narrativas pretas históricas. Então essa caminhada foi importante para que quem participou pudesse conhecer um pouco dessas histórias e com certeza, em breve, vamos organizar outras em parceria com a Circular Black.”
Fonte: Assessoria de Imprensa
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