A cineasta Lina Chamie fala sobre seu mais novo filme

Lina Chamie / Foto: divulgação
A diretora de cinema Lina Chamie veio a Aracaju lançar o seu segundo longa, A Via Láctea. O filme estreou em grande estilo na Semana da Crítica de Cannes em 2007 e só agora é apresentado em Aracaju. Em entrevista ao Portal Infonet, ela conta a trajetória de gravar em Mini-DV, captar recursos e utilizar a cidade de São Paulo como um dos personagens de sua história.

 

Portal Infonet – A Via Láctea é o seu segundo filme longa-metragem, mas o primeiro exibido em Sergipe, na I Mostra de Verão de Cinema Nacional em Sergipe. Qual a importância desse tipo de mostra para o cinema brasileiro?

Lina Chamie – Acho muito importante, por isso que eu fiz questão de vir. Porque é um jeito de trazer filmes que normalmente não vêm. E é muito importante que as pessoas tenham acesso a esses filmes, que representam a nossa cinematografia, que é cada vez mais plural. A gente tem filmado mais, tem conseguido fazer mais filmes com qualidade e filmes que têm carreira internacional, que é o caso de A Via Láctea. Que é um filme que estreou em Cannes, o maior festival do mundo, abrindo a Semana da Crítica, que desde então viaja o mundo, passou por quase 40 festivais e está passando pelas capitais do Brasil. Então, essa oportunidade de trazer o filme para cá é preciosa, porque a gente consegue mostrar o trabalho a diferentes públicos e deixar esse público saber que existe esse cinema também, que não são só as apostas mais comerciais.

 

Infonet – Você falou da estréia do filme em Cannes e do reconhecimento internacional que ele tem recebido, mas por outro lado, ele demorou muito para captar recursos.

LC – Eu dizia que a gente está conseguindo filmar mais e bons filmes, mas ainda é difícil o processo de captação. Tanto é que os diretores têm hiatos muito grandes. No caso de A Via Láctea, eu tinha o roteiro em 2003 – escrito por mim e pelo Aleksei Abib –, que ganhou um prêmio internacional. Nós fomos para a Espanha e ficamos lá cinco semanas aprimorando o roteiro, com roteiristas importantes. Eu voltei para o Brasil e fui filmar no final de 2005, quer dizer, são dois anos. Inclusive filmei no final de 2005 porque queria muito filmar, achava muito importante fazer o segundo longa logo, filmei com muito pouco dinheiro. Tive parceiros importantes, o principal é o Marco Ricca, que além de ator – a alma do filme – é co-produtor.

 

Infonet – Com esses hiatos, o diretor não corre o risco de perder a relação com a história?

LC – É um jogo com o tempo delicado, porque até um certo ponto esse tempo de espera é criativo, mas a partir de um certo momento esse tempo é morte, você pode perder a história, perder o desejo de contá-la. Então, A Via Láctea teve esse caminho que é percorrido por muitos filmes, quer dizer, a gente tinha o roteiro em 2003, filmou no final de 2005, mas ainda tive que esperar para completar o filme. Fiz um primeiro corte do filme, que ganhou um prêmio internacional de

enorme repercussão, o Cine en Construcción do Festival de San Sebastián, foi aí que eu captei a segunda parte (ele é um filme de baixo orçamento, o orçamento total está por volta de R$ 1 milhão). Aí eu finalizei, em 2007 o filme estreou em Cannes. E nós estamos agora em 2008 com o filme aqui em Aracaju. Então é um processo mesmo que o diretor no Brasil tem que enfrentar.

 

Infonet – A Via Láctea foi filmado 80% em Mini-DV. Como essa linguagem interfere na história do filme?

LC – A gente conseguiu fazer um filme que traz a cidade para a tela de uma maneira muito viva – e é a cidade de São Paulo, mas como eu disse, o filme tem uma grande carreira internacional, pode ser qualquer grande centro urbano. E é a Mini-DV que permitiu isso, essa agilidade. Eu filmava sem luz, eu filmava continuamente. É um jeito de fazer o filme. E as outras partes que são em película são os pontos de repouso do filme. Toda a parte do trânsito é câmera na mão, tem uma coisa um tanto agitada, como o personagem no trânsito, é uma câmera que procura, como olhar dele. E as partes em película são as lembranças, são os momentos idílicos, em que a câmera está no tripé, a textura é muito mais fina, não tem um a sujeira da textura da Mini-DV. De certa forma, a própria textura do filme ajuda a contar a história. Eu uso a própria película como textura para ajudar a narrativa, são pontos de reflexão que o filme tem. Voltando ao começo, aquele tempo de espera me mostrou isso, que tinha um jeito de fazer este filme. Agora cada filme tem um jeito, o próximo filme pode não ser em Mini-DV.

 

Infonet – Inclusive você tem falado que São Paulo é um personagem do filme. Como é que uma cidade como São Paulo se comporta como personagem?

LC – São Paulo se comportou muito bem! Esteve engarrafada o tempo todo, chovia, foi um caos, e a gente filmou tudo isso. A idéia do filme é que realmente São Paulo é quase uma personagem. Existe na história um triângulo amoroso: o Marco Ricca, Alice Braga e Fernando Alves Pinto, que é a ponta desse triângulo, que ameaça o tempo todo a relação do Heitor com a Júlia. Mas esse é também um outro triângulo: o Heitor, a Júlia e a cidade de São Paulo, que interfere, literalmente, com o trajeto dele. Ele [Heitor] está tentando chegar na casa da namorada para resgatá-la, para fazer as pazes, e a cidade é um corpo vivo o tempo todo. A cidade fala com ele, as personagens da cidade, o engarrafamento, a dificuldade de chegar, então a cidade é praticamente também uma ponta do triângulo.

 

Infonet – Você esteve fora do país e voltou no início da década de 90, justamente a época que marca o reinício do cinema brasileiro. Como você viveu essa época? Isso interferiu no seu jeito de fazer cinema?

LC – Interessante, porque de certa forma, esse reinício foi o meu início. Eu nos Estados Unidos trabalhava muito com cinema, quer dizer, trabalhava como estudante, eu era assistente do Departamento de Cinema da Universidade de Nova Iorque, eu fazia de tudo. Fiz muita coisa, como assistente de produção, fiz assistências de finalização, de montagem, fui até projecionista. E via muito filme. Acho que cinema é uma arte que se aprende muito vendo. E quando eu voltei pro Brasil, eu comecei a fazer cinema, era justamente esse momento em que o cinema tinha sofrido um trauma, aliás, o país tinha sofrido um trauma, e estava de certa forma das cinzas, como a Fênix que ressurge. Para mim aquilo era o meu início, eu tive esse timing que acabou sendo um pouco generoso comigo. Quer dizer, eu não tive uma ruptura no meu trajeto. Eu estava começando ali e desde lá nunca mais parei. Eu fiz um curta, que foi bastante premiado nos festivais, que chama Eu Sei que Você Sabe. Fiz meu primeiro longa, que chama Tônica Dominante, que infelizmente não veio para Aracaju. E agora estou no segundo longa, que graças a Deus chegou aqui, que é um filme que está sendo mais visto. Independente da carreira internacional, ele está tendo uma carreira no Brasil muito bacana.

 

Veja a cineasta falar sobre como foi filmar em Mini-DV.

 


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Por Gabriela Amorim

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