Abrindo o mês de outubro: o forte bater da zabumba, o vai-e-vem do fole da sanfona, o som agudo e infantil do triângulo, a voz de um pássaro sertanejo, que canta as histórias de amor e dor da sua terra. A primeira Quintas da Assaim deste mês será prestigiada pelos 15 anos de autêntico forró pé-de-serra do grupo Cabeça de Frade. Floriano Nogueira, cantor,compositor e líder do grupo, tornou-se o Cabeça, tamanha a repercussão que o seu trabalho ganhou. E foi com esse Cabeça, um amante das coisas e do homem do sertão, que o Sergipe Cultural produziu a entrevista que se segue. Por Marina Ribeiro SERGIPE CULTURAL: Quando despertou para a música? FLORIANO NOGUEIRA: Começou com o conservatório, quando fui morar em Santos (SP)- como milhares de nordestino, tentando melhorar de vida. Trabalhava em lanchonete e restaurante como garçom e não tinha nenhum contato com a música. Entrei no conservatório e comecei a estudar violão clássico e cantar no coral religioso. Fazer música regional nem passsava por minha cabeça, até porque, a gente que vinha do interior, do nordeste ficava meio com vergonha, achava que as músicas daqui eram ultrapassadas- a gente mesmo discriminava. Com o tempo vi que não me identificava com a música clássica e me indicaram o Conservatório Folclórico de Santos. Uma professora, que veio de Recife foi quem despertou em mim a riqueza da cultura nordestina. Em uma festa de confraternização, cada aluno representaria a cultura de sua regiã e interpretei uma música, que eu mesmo compus; mas a apresentação não foi tão boa, porque eu não sabia dançar forró (risos). SC: Por que voltou para Sergipe? FN: Eu vivia muito triste em São Paulo. Sentia a falta da liberdade que tinha aqui- foi um período muito difícil. Ia do trabalho para casa,as pessoas com quem morava só queriam saber de bebidas e festas e eu não conseguia me adaptar a essas coisas. Com a morte de meu irmão, decidi voltar de vez. Nesse tempo compus “A Volta do Nordestino”, onde eu expressei essa minha vontade de voltar. Não estava agüentando viver sem a liberdade e tranqüilidade que tinha em Boquim (cidade onde nasceu). Mas aprendi muito nesse tempo que morei lá. Então, quando cheguei, trabalhei três anos fazendo transporte entre Boquim e Aracaju, nessa época já estava muito ligado à música e sofri um pouco de discriminação da minha família por isso. SC: Quais foram suas influências? FN: Fui influenciado mesmo pelas sentinelas cantadas por minha mãe. Elas tinham sentimento, tinham dor, tinham uma história. As minhas lembranças mais fortes de música são da minha infância: de ouvir minha mãe cantando ladainha, de ouvir o galo, os passarinhos,… essas coisas do interior. Tanto que nas minhas composições eu sempre me refiro aos elementos do sertão: aos vira-latas, pangarés, periquitos e papagaios, ao jogador perna-de-pau, aos excluídos,… A família toda de minha mãe tinha dom para música, acho que herdei isso deles; mas dos filhos dela, eu sou o único músico. SC: Por que o nome Cabeça de Frade? FN: O grupo começou como Nordeste Independente. Com esse nome eu queria expressar o sofrimento do nordeste. Neste tempo, fazíamos shows durante todo mês de junho em Pedrinhas. Lá tinha grandes arraiás todos os anos e sempre tocávamos; isso durou até 1990. Depois disso, paramos um pouco. Em 1993, um amigo sugeriu Cabeça de Frade, que é um cacto do região. Gostei, até porque, é um elemento do sertão, que nunca foi explorado por músicos; e, além disso, é uma planta que sobrevive na seca, que gosta do sertão e é muito importante aos animais do sertão, já que serve de alimento para eles. E hoje, o Cabeça de Frade já é bem conhecido por aqui, tanto que eu virei o “Cabeça”, é assim que eu sou chamado por muita gente. SC: Como aconteceu conhecer grandes nomes da música nordestina como Dominguinhos e Oswaldinho do Acordeon? FN: Durante os shows que a gente faz juntos, como Forró Caju. É bom conversar com eles porque sempre falam uma frase de incentivo, que nos ajudam a continuar com o nosso trabalho. SC: Qual a diferença da vida cultural sergipana do passado para a de hoje? FN: Diminuiu o espaço para a música. Não existe mais clubes e associações, onde a gente possa apresentar sempre, faltam casas noturnas, não tem nada fixo mais. Antes não tinham tantas bandas- era mais fácil, o que acontece hoje é muito músico para pouca festa. A concorrência com essa música mercadológica, que está tão forte também dificulta muito. O forró virou comércio, pirataria, que só busca promoção e descaracteriza o que ele realmente é. Além disso, a música está dependendo do setor político, que não dá base, incentivo e nem tem compromisso com o artista. Mas até mesmo os próprios músicos discriminam a produção local; não têm paciência para conquistar aos poucos seu público e entregam-se à música da moda, que está na mídia. Já tive vários músicos, que desistiram da banda porque não queriam tocar regional. Já passaram 30 músicos pela banda e, a maioria, saíu por isso. Eles não querem plantar, só querem colher, e colher maduro. Eu insisto, porque é o que gosto de fazer. Mesmo sabendo que não atrai público, o que procuro é riqueza cultural e não financeira; inclusive já tive prejuízos por ser em cego em administração, não saber lidar com o lado financeiro. Só sei cantar pelo prazer, pelo conteúdo da música, pela dor que está nela. Mas é muito difícil viver só da música aqui por essa falta de apoio e valorização. A Assaim, junto com esse projeto, está contribuindo para mudar essa realidade, está abrindo espaços. SC: O jovem faz parte do público do Cabeça de Frade? FN: Não. A juventude tem uma certa rejeição à música folclórica, regional. Eles fecham a porta mesmo. Não despertaram para a cultura, para a educação. Vão para os shows procurando a exposição do corpo da mulher, no nosso eles não encontram e acabam reagindo de forma ofensiva a isso. Mas, depois de vinte minutos de show, já estão dançando e gostando – isso acontece sempre. O problema é que não conhecem a música. SC: Como será o show de quinta-feira? FN: Nesse show vou cantar composições minhas e de Luís Gonzaga, Jorge de Altino, Trio Nordestino e outros. Vou mostrar o autêntico forró, que está em meu recente cd: Na Cara do Gol. Nele tem participação especial de Dominguinhos, Genaro e Oswaldinho do Acordeon, com várias composições consagradas pela crítica e pelo público; e também vou acrescentar 2 músicas inétidas, que estarão no meu próximo cd, onde farei um resumo do meu trabalho, uma coletânea. Esse show será um termômetro para eu medir como está o Cabeça de Frade em Aracaju; estou cheio de expectativas. SC: Algum sonho profissional? FN: Quero fazer um show em um teatro, onde tenha oportunidade para contar a história de cada música que faço, explicar cada frase, contar casos; onde possa interpretar, ter espaço para colocar vários músicos e dançarinos: fazer uma super produção. “Estava certo quando decidi a divulgação da música raiz, bebendo da fonte do Rei do Baião, fonte esta que não abri mão. Vou continuar cantando a fome,a sede. Ou seja, a seca do sertão, que é uma fonte inesgotável de inspiração.”
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