Débora Colker fala do espetáculo “Nó”

Cenas de “Nó”
A Cia. de Dança Deborah Colker está em Aracaju nessa terça, 13, e quarta, 14, com o espetáculo “Nó”. Marcado pela sensualidade e pela abordagem do tema ‘Desejo’, esse é o quinto espetáculo da companhia que está revolucionando a dança contemporânea brasileira. E a ‘usina de idéias’ Deborah Colker não pára. Atualmente o grupo percorre o mundo com três espetáculos: ‘Nó’, ‘Dínamo’ e ‘Rota’. Mesmo com todo esse ritmo, está em fase de elaboração o mais novo espetáculo, que deve estrear no início de 2008. A equipe da Infonet conseguiu uma entrevista exclusiva com Deborah Colker, onde ela fala da concepção dos espetáculos, e do atual cenário brasileiro de dança.

 

Portal Infonet – O ‘Nó’ já está a dois anos em cartaz. Como você avalia a evolução do espetáculo?

 

Dínamo
Deborah Colker – Outro dia eu estava pensando nisso. Mudaram quatro bailarinos da Cia. e isso é uma mudança muito grande para um grupo de dezessete bailarinos. Mas, no entanto, eu estou achando o espetáculo muito melhor, muito mais amadurecido, com mais propriedade e intimidade. Esse assunto de desejo é um universo que exige uma profundidade em que o tempo é o grande amigo. O tempo de maturidade e de intimidade é importante. Fora que esse espetáculo lida com a condição humana, faz parte da filosofia, que é a compreensão da existência humana. Desejo não é algo que a gente escolhe, é algo que a gente nasce e aprende a administrar. Desejos mais primitivos mais secretos, mais proibidos, mais fáceis, mais simples de lidar. Desejo não é amor, não é paixão, é lidar com intensidades, e inspirações e ambições muito fortes. Isso tudo, com o amadurecimento do assunto dentro de cada, do assunto com o próprio espetáculo é bom. A gente estreou agora a turnê em Salvador, e foi impressionantemente lindo. Eu fiquei impressionada como foi bonito, a casa cheia, as pessoas adoraram. Eu estava com saudades também, fazia tempo que a gente não fazia. Estreamos na Alemanha, depois viemos em 2005, fizemos Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e outras cidades do Brasil. Ano passado fizemos uma turnê longa na Europa, na verdade pelo Reino Unido. Fizemos Londres, nove cidades da Inglaterra, duas cidades da Escócia, e fomos pro País de Gales. Foram 50 dias com ‘Nó’, muito
Débora Colker
bacana. Tem uma parte desse espetáculo que eu acho que é a minha cara, o segundo-ato na caixa, é a minha assinatura. As cordas foram um trabalho onde eu dei uma virada radical. Eu estou trabalhando com espaço, a relação do movimento com o espaço, que todo mundo sabe que eu sou fascinada por isso. Eu tenho um espetáculo que tem uma parede, outro tem uma vertical em movimento que é a roda, depois eu trabalhei a superposição do plano vertical, com ‘Casa’, depois eu fiz o “4×4” que era um labirinto horizontal, nos vasos. E aí eu chego com o ‘Nó’, onde eu trabalho carregando o espaço de significado, de sentido. As cordas são objeto de desejo, são fetiche. A caixa transparente é a textura do desejo. Por mais que o desejo seja transparente é inatingível, a idéia daquilo que você vê mas não pode tocar. Aquilo que você queria ter, mas nunca vai ser seu. E a idéia de que o desejo aprisiona e liberta, ele é um caos e é transparente, ele amarra e solta. E isso está tudo presente nesse espetáculo.

 

Coreografia “Vasos”, do espetáculo “4×4”
Infonet – Como você lida com vários espetáculos dentro da mesma companhia?

 

DC – Esse ano a gente lida com o ‘Dínamo’, o ‘Rota’, o ‘Nó’, e estamos fazendo outro. Tem semanas que é estressante, que os bailarinos me olham querendo me matar (risos). Tem dias que tem que correr com dois espetáculos diferentes. Tem bailarinos novos aprendendo o repertório. Tem o espetáculo novo que eu estou ensaiando que exige entrega deles. Entrega e mergulho num assunto novo. Nesse eu trabalho na mesma linha do Nó, das condições humanas. Eu comecei mergulhando no assunto da crueldade.

 

Infonet – Como é o seu processo de criação?

 

DC – Eu trago a idéia, o caminho que eu quero, e desenvolvo muitas frases de movimento e concepções com todos bailarinos. Eles participam muito. Trabalho com improvisações individuais e coletivas, direcionadas por mim. Eu começo a discutir com o Gringo o novo espaço. E com o Berna eu discuto as trilhas.

 

“Nó”: desejo e sensualidade
Infonet – Como você prepara fisicamente seus bailarinos?

 

DC – A gente faz aulas de ballet clássico todos os dias, fazemos aulas de dança contemporânea que tem uma preparação corporal de abdominais e flexões e preparações de movimento. E várias outras aulas, como Pilates, Girotronic, Yoga… Mas basicamente, clássico e contemporâneo.

 

Infonet – Por que você quis explorar o desejo em Nó?

 

DC – Eu queria entrar na condição humana. Eu trabalhei com artes plásticas no 4×4, então eu relacionei a dança, que é uma arte contra a arte. Nisso eu já entrei no mundo dos artistas plásticos. Daí eu quis entrar no mundo dos indivíduos, o mundo humano. É o que me interessa. Eu fui chamada pra montar o ‘Casa’ em Berlim, e me pediram pra montar um prólogo pra Ópera de Berlim. Eu fiz uma coreografia chamada ‘Ela’, que era o embrião do Nó. Quando eu acabei o 4×4 eu tinha que ir pra Alemanha montar o ‘Casa’, daí eu comecei a pensar no ‘Ela’, pensando no assunto que estaria dentro das paredes de uma casa. Esse é o desejo. O Casa é um espetáculo muito cotidiano, eu gosto disso, e sempre trabalhei isso. E testava querendo trabalhar com outro sentido,  com outra densidade, outra intensidade e significado. Algo que possibilitasse uma nova movimentação e outros pensamentos.

 

“Nó”: 120 cordas no palco
Infonet – A Cia. Deborah Colker está com 14 anos de existência. Como você vê o atual cenário de dança brasileiro, comparado à quando você começou?

 

DC – A dança passou por vários momentos. Vários grupos importantes como o grupo Corpo, o Stagium, o Ballet da Cidade de São Paulo, o Ballet do Municipal do Rio de Janeiro. Teve um momento da minha vida em que eu recomecei a dançar que só tinha o grupo Corpo. os outros eram muito pequenas, e o Corpo era o único que tinha patrocínio. Isso era final dos anos 70 início dos anos 80. As pessoas não acreditavam muito que era possível ter uma Cia. de dança contemporânea no Brasil. Eu acredito que os anos 90 são marcados pelo início da Cia. Deborah Colker, e modifica muito isso. Não só a minha companhia. O Quasar, que foi criada antes da minha, cresceu depois dos anos 90. Outros grupos começaram a surgir em outros lugares. Eu acho que a dança está crescendo. Pode crescer muito mais, mas é um panorama em crescimento.

 

Infonet – Mas você sente uma maior receptividade dos financiadores de cultura hoje com grupos de dança contemporânea?

 

DC – Eu acho que sim. Mas é uma via de duas mãos. Precisamos de mais investimentos, para fazer um trabalho de qualidade, mas ao mesmo tempo precisamos de artistas que saibam mais o que estão fazendo, que pensem no público. Que tenham uma linguagem original, não fiquem repetindo os trabalhos franceses, ingleses ou americanos… Eu acho que o crescimento do mercado de dança contemporânea tem que ser de ambas as partes. A Petrobras tem sido muito importante pra minha companhia. Ela aposta muito no nosso trabalho como formação de público, de cultura, de educação e de arte também. Isso é muito importante porque uma companhia crescendo estimula os outros a crescer também. Hoje em dia, além de ter uma companhia eu tenho uma escola que está funcionando há dois anos, com 350 alunos, com projeto social pra 50. É uma coisa que está se desenvolvendo. Isso estimula o jovem que quer dançar, os assistentes, os coreógrafos, e também os financiadores. A Petrobras está com a gente em tudo, inclusive na turnê pelo Nordeste, em que a gente faz Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, João Pessoa e Fortaleza, com dois caminhões e 24 pessoas viajando, um espetáculo de dois atos, com uma produção imensa. É um espetáculo de gente grande. O financiamento torna isso viável, torna a cultura viável. Acho que o nascimento e o sucesso da minha companhia e de outras trouxe uma mudança sim. O incentivo da prefeitura do Rio de Janeiro para companhias de dança começou com a minha companhia. Hoje ela está patrocinando oito companhias.

 

 

Infonet – O que você está esperando da apresentação em Aracaju?

 

DC – Estou esperando que seja bacana, que haja uma troca com o público. Gostei muito da última vez que fui aí com o “4×4”. Achei uma cidade super receptiva, muito legal. Não foi a primeira vez que eu estive em Aracaju com o “4×4”, eu fui com o “Rota”, acho que com o “Velox” também. Mas estou esperando um espetáculo bacana pra hoje.

 

Por Ben-Hur Correia e Carla Sousa

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