“Doações honrosas”, por Ibarê Dantas*

Um ancião de noventa anos saiu do Rio Janeiro numa Topic cheia de livros com destino ao Nordeste com o fim de doá-los a algumas instituições. No Fórum da cidade de Tobias Barreto deixou suas sentenças encadernadas, proferidas ao longo dos seus quarenta anos de magistrado. Ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS) entregou mais de mil volumes nos campos da história, da literatura e das artes plásticas. No dia seguinte, partiu para Recife, onde presenteou um colégio com a última parte de seu acervo. Esse foi o gesto do Dr. João Fontes de Faria. Natural de Cristinápolis, onde começou sua vida de juiz em 1939, serviu poucos anos depois em Arauá, Boquim, Riachão do Dantas e Tobias Barreto. Em 1951 foi aprovado em concurso no então Distrito Federal. No Rio de Janeiro foi juiz de várias instâncias, desembargador e, como tal, aposentou-se em 1979. Homem religioso, solidário, dotado de muita energia, continua a administrar seus atos de forma pensada e com muita determinação. Não obstante sua boa saúde, sabe que a vida obedece a um ciclo e, de conformidade com seus princípios, fez questão de estabelecer o destino dos seus bens. Sua relação com o IHGS é de muita confiança. Em 1997 entregou àquela casa os retratos de seu avô, Francisco Martins Fontes, do famoso artista Canizares, e os de seus pais pintados pelo grande sergipano Jordão de Oliveira. Em sua visita anual a Sergipe, tornou-se um ritual vir contemplar a imagem dos seus genitores queridos. Nesses momentos, abalado por lembranças saudosas, despede-se emocionado e depois envia sua contribuição generosa. Em maio de 2004, o Instituto foi presenteado por seus livros preciosos, reveladores do seu bom gosto, que passarão a ser disponibilizados para os consulentes. Para o Dr. Faria não deve ter sido fácil separar-se de seus amigos silenciosos, fontes que regaram sua vasta cultura humanística ao longo de fecunda existência. Na verdade, boa parte do acervo bibliográfico da Casa de Sergipe, como é conhecido o quase centenário IHGS, deve-se a estas inestimáveis doações. Em sua fase inicial, uma das mais expressivas foi a dos irmãos João e José Rodrigues da Costa Dória, este último, aliás famoso médico presidente do Estado (1909/1911). Há poucos anos o professor Fernando Porto, o maior conhecedor da história de Aracaju, também doou ao Instituto Histórico sua seleta biblioteca, em momento de emoção. Agora, não obstante as dificuldades de espaço, ganhamos mais esse presente. Somente quem passou a vida entretido em meio aos seus livros, tirando suas dúvidas em cada consulta, alimentando esperanças em cada leitura, pode avaliar o quanto custa esta separação. Quantas vezes, achando que já os temos demais, saímos procurando os descartáveis e não encontramos nenhum. Afinal, cada livro tem sua história e poderá ser imprescindível num momento de necessidade. Não é por acaso que muitos deixam ao encargo dos herdeiros a difícil tarefa de distribui-los. O problema é que aqueles que ficam nem sempre escolhem o melhor destino. Daí o interesse de muitos em administrar as doações do próprio acervo. Doá-los em vida, por mais custoso que seja, mitiga a dor, pois fica a esperança de que sejam bem cuidados e o conforto de vê-los disponibilizados à sociedade. É certo que em nossa capital nem sempre é fácil encontrar instituições que acolhem grandes bibliotecas. As universidades e faculdades estão interessadas sobretudo em ganhar livros novos atualizados para atender a demanda de seu alunato. Daí a angústia de alguns intelectuais sobre o destino de seus papéis. Para os que participam da administração do IHGS é honroso receber bens culturais, representativos de nossas tradições. Avaliamos que a formação de um acervo de bibliotecas e arquivo respeitáveis deve ser priorizado. Mas, por enquanto, estamos dependendo de financiamentos para preparar novos espaços. Apesar disso, alimentamos o sonho de fazer do IHGS uma casa de referência singular, guardiã do que existe de mais valioso do nosso patrimônio cultural. Visitando os institutos de Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, percebemos como os nordestinos valorizam suas Casas e se empenham em enriquecer seu cabedal artístico e sua documentação. Em São Paulo, além do seu Instituto Histórico, um dos órgãos que mais têm se empenhado em receber os acervos dos paulistas é o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), que hoje tem por vice-diretor Dieter Heidemann, professor de geografia na UFS por alguns anos. Lá no IEB estão as bibliotecas e os arquivos pessoais que pertenceram a algumas dezenas de nomes conhecidos, entre os quais Caio Prado Júnior, Fernando Azevedo, Graciliano Ramos, José Honório Rodrigues, Mário de Andrade, Osman Lins. Para cuidar desse cabedal cultural o Instituto dispõe de nada menos de 40 funcionários e muitos recursos. Esse é nosso diferencial. O empenho de fazer do IHGS uma instituição representativa de nossa riqueza cultural nem sempre encontra a receptividade que seria de se esperar. * Ibarê Dantas e historiador e exerce a presidência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS).

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