Especial Folclore: “O turismo também é uma vitrine para o folclore”

Há mais de 30 anos pesquisando grupos folclóricos de Laranjeiras, a antropóloga e professora aposentada da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Beatriz Góis Dantas, deixa clara sua paixão pela cultura popular. Os estudos nasceram da curiosidade dos alunos e hoje ela diz que se sente feliz por ver que os grupos continuam, apesar das mudanças impostas pelo tempo. Confira a entrevista concedida com exclusividade ao Portal InfoNet nesta semana em que se comemora o folclore.

 

PORTAL INFONET – Como a senhora começou a estudar os grupos folclóricos?

BEATRIZ GÓIS – Eu ensinava antropologia, campo muito vasto, que fala sobre índios, negros e as várias formas de cultura. Meu interesse pelo folclore partiu do próprio ensino, dos alunos querendo saber o que era a Chegança, a Taieira, o São Gonçalo. Baseada na literatura nacional, na bibliografia disponível na época, eu disse em sala de aula que a Taieira era um fato folclórico extinto. E um aluno gritou do fundo da sala: “Professora, na minha cidade tem Taieira”. Ele era de Laranjeiras. Então eu fui para lá pesquisar justamente a Taieira, que era um desafio porque a literatura dava como fato folclórico extinto.

 

INFONET – Por que muitos grupos estão bastante ligados à religiosidade?

BG – Um traço marcante na cultura brasileira, independente de classe social ou grupo étnico, é o catolicismo. O catolicismo de Portugal sempre foi muito festeiro, com santos padroeiros que gostavam de festas, de dança, de música e eram brincalhões. E o ritual da igreja católica, durante muito tempo, incentivou esse padrão cultural. Com o passar dos anos que fez restrições. Além dos negros, que vieram da África misturando suas religiões de origem ao catolicismo, misturando os santos com os Orixás.

 

INFONET – Qual o grupo folclórico mais antigo de Sergipe?

BG – É difícil seriar. As Zabumbas ou Ternos de Pífano são tradições que têm registros do século XIX ou talvez bem anteriores. É difícil ter registro temporal porque nem sempre há registros escritos sobre a existência deles. As Zabumbas e Reisados estão muito espalhados pelo território sergipano e já haviam sido registradas por Sylvio Romero.

 

INFONET – Como está Sergipe a outros Estados em relação a manutenção e quantidade de grupos folclóricos?

BG – Em outros Estados o folclore ganhou maior destaque porque a projeção é maior. Os Maracatus de Pernambuco são famosíssimos. Essas coisas precisam ser trabalhadas, mostradas e valorizadas para poder ganharem visibilidade. No meu modo de ver, a idade vai dando um pouco dessa experiência de comparar momentos do presente e do passado, eu acho que já houve momentos em que esse aspecto do folclore em Sergipe teve maior visibilidade do público externo. Na década de 70 e 80, sobretudo.

 

INFONET – O Festival de Arte de São Cristóvão ajudava nessa visibilidade?

BG – Eu acho que sim porque era mais um espaço de apresentação. Embora ele pegasse todas as formas artísticas, populares e eruditas. Ele tinha também espaço para o folclore. Papel semelhante acontece com o Encontro Cultural de Laranjeiras. É um grande monstruário dessa riqueza. O turismo também é uma grande vitrine para o folclore. Os turistas querem ver o que não tem na terra deles, a diferença do outro. O turismo é um canal de divulgação dos grupos, mas com os devidos cuidados.

 

INFONET – Quais cuidados?

BG – O uso indiscriminado da imagem dos grupos pode levar a pressões muito fortes sobre chefes e brincantes, gerando efeitos perversos. Impor certas coisas, querer padronizar, exigir. A forma como os agentes de turismo se relacionam com as lideranças folclóricas, não levando na devida conta que os grupos são religiosos e alguns ainda têm um calendário a cumprir. Por exemplo, a apresentação da Chegança é imensa, leva horas. Claro que para o turista não pode ser apresentada integralmente porque se torna monótona. Mas é bom que se combine antes com o grupo as partes a serem apresentadas para que não seja interrompida no meio. É ter um pouco de respeito pelo outro.

 

INFONET – Como a senhora se sente nesses 30 anos, acompanhando tantas mudanças?

BG – Há momentos nos quais a gente se desencanta com algumas coisas. Mas no todo o saldo é positivo. Mesmo os grupos que desapareceram, o registro que fica é importante. É um sinal da presença deles num dado momento. No entanto, o mais importante é que eles permaneçam vivos, continuem com a gente.

 

Por Janaina Cruz

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