Tradição, arte e renda: a história de São Francisco

(Foto: Ascom Secom)

As águas lúcidas e vibrantes do Velho Chico poderiam ser o ponto de partida de qualquer relato sobre Santana do São Francisco, município distante cerca de 120 km de Aracaju. Isso se, outra matéria prima da natureza não fosse o carro-chefe da região.

O barro, que suja os pés e faz lama, é o mesmo que esculpe, ganha forma e vai para o mundo. É o barro de Pezão, Capilé e Chicô, antigos artesãos da cidade, e também de 70% da população que reside nesta localidade do Baixo São Francisco.

Relatos bíblicos dizem que Deus fez o céu e a terra e que da costela de Adão se fez a mulher. Em Santana do São Francisco, do barro se fez mulheres, homens, vasos, animais e mais uma centena de seres e objetos. Do barro construíram-se casas, olarias, vidas inteiras e a história de toda uma região, que tira do fundo de grandes buracos o sustento diário.

A partir de traços fortes, pinturas delicadas, grandes formas e frágeis miniaturas, as esculturas de argila ganham vida. A cidade do norte do estado é polo da produção ceramista. Conhecida antigamente como Carrapicho, a localidade foi batizada como capital sergipana do artesanato. Logo em sua entrada, o rio da pesca, dos tototós e dos barquinhos dá as boas vindas. O centro de artesanato, que reúne 68 pontos de venda, é também um dos pontos de recepção. Um pouco mais a frente, à beira da pista, olarias, com grandes fornos, produzem as cerâmicas. Do outro lado, em grandes terrenos baldios, carroças vêm e vão com o barro. Os chamados aprontadores também se concentram neste lugar. Eles ‘apilam’, ‘agoam’, pisam e amaciam a argila.

A produção do barro

Assim como diversos países, Santana do São Francisco tem seu próprio dicionário. Agoar é colocar água no barro. Pinicar, mexer com a enxada. Apilar é preparar a argila. Maromba é o maquinário que ‘apronta’ o barro, ou seja, amacia. Candangue é o ajudante do artesão. Torno é onde as peças são modeladas. Aprontador é quem retira e prepara a matéria prima. Pisa é a unidade de medida. 10 pisas equivalem a 30 pedaços de argila. Essa é a quantidade que uma carroça suporta carregar. E cada 10 pisas valem R$ 15.

Explicados os vocábulos, é mais fácil esclarecer como funciona a cadeia produtiva da cerâmica. É tudo bem organizado e, em geral, as tarefas são divididas de modo que, a mão de obra do início não é a mesma do fim.

Tudo começa no terreno baldio. Grandes buracos são cavados para retirada da argila. O primeiro monte de terra retirado não serve, pois é recheado de impurezas, terra e mato. Cerca de 30 cm abaixo do solo é onde está o material de trabalho dos ceramistas, segundo conta o aprontador José Gilmar dos Santos. Ele explica que, quanto mais fundo, melhor a qualidade do barro. E se engana quem pensa que o material já sai pronto do subsolo. Para que a argila seja manuseada, ela passa por um processo que dura em média três dias.

De acordo com o aprontador Ernando dos Santos Mendes Filho, depois de retirado o barro, é necessário agoá-lo e pinicá-lo algumas vezes. Há também o processo de pisada da argila, que serve para amaciá-la. E dentre esse período de mexer e remexer o material, também é preciso deixá-lo descansar. Só depois disso tudo é que os carroceiros, outros membros da cadeia produtiva, podem levar e distribuir as pisas, que, nas mãos dos ceramistas, já chegam ao custo de R$ 25.

“Consigo aprontar 100 pisas por semana”, conta Ernando. Ele iniciou os trabalhos com o barro ainda criança. O aprontador diz que não gostava de estudar e que aos 10 anos começou a acompanhar o pai. “Fui ficando adulto e, como dizem, engrossando os ossos, e continuei. Graças a Deus tiro meu sustento daqui, seja pouco ou muito. A partir daqui já conquistei uma casa e as coisas dela. Consigo viver bem, sem aperreação”, comenta.

Perto da área onde Ernando aprontava o barro, estava Kátia de França, sua família e alguns ajudantes trabalhando em uma olaria. No local, vários processos de produção da cerâmica acontecem. Com tarefas delimitadas, cada uma das sete pessoas é responsável por colocar a argila na maromba, modelar as peças no torno, promover o polimento, colocar para secar e queimar no forno, produzir os detalhes e realizar a pintura.

“Trabalhar com cerâmica é algo que gosto muito. Principalmente porque envolve a minha família. Produzimos todos juntos e tenho meus filhos por perto. Para mim, é muito gratificante. As pessoas vêm de fora para conhecer nosso trabalho e me sinto orgulhosa”, relata Kátia, acrescentando que a produção de sua olaria é destinada para várias localidades, dentre elas Brasília, Minas Gerais e Bahia.

Gilson Dantas também é um dos que faz da argila o seu ganha pão. Há 30 anos atuando como ceramista, ele conta que construiu sua família a partir do trabalho com o barro. “Gosto de coração. Dá para viver bem com o que ganho aqui. Agradeço muito a Deus por essa profissão”, destaca. O artesão diz que consegue obter, em média, R$ 2.500 mensais, dispensando o que gasta com despesas.

Dos pequenos trabalhos a grandes bustos, santos e figuras públicas. Wilson de Carvalho, conhecido como Capilé, é famoso por construir grandes esculturas. Ele já fez peças de 1,80 m para presépio, vasos de 1,60 m e muitas outras criações, que são produzidas sem moldes. “Minha marca são as peças gigantes. Faço manualmente, pois acho mais gratificante, e assim o trabalho se torna único”, relata.

Fonte: Secom

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