Não faz muito tempo, quando se referia às carências da cidade, o aracajuano dizia que morava no fim do mundo. Ou no buraco do mundo, no sentido de cloaca mesmo, para não dizer algo mais escatológico. Desde que o governador Leandro Maciel desmontou o Morro do Bonfim, em meados dos anos 50, interligando alguns bairros e aterrando outros, a cidade progrediu, melhorou em muitos aspectos e o morador de Aracaju foi ganhando em auto-estima.
Quando se fala em morador, deve-se levar em conta também aquele que veio de fora, veio transferido ou escolheu Aracaju como lugar preferencial para morar. Hoje não é raro ouvir que alguém se surpreendeu ao descobrir esta cidade e resolveu ficar. Na sexta-feira passada, o diretor do recém-inaugurado hipermercado Extra, o paulista Carlos Mundel, fez uma revelação que corrobora essa assertiva: muitas pessoas de outros Estados que conheceram Aracaju no dia da inauguração da loja disseram para ele terem ficado agradavelmente surpresas com a cidade. Ele mesmo garantiu que está muito satisfeito por morar aqui.
QUALIDADE DE VIDA – A pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre o Índice de Condições de Vida nas capitais reflete isso: o morador de Aracaju está se sentindo mais confortável na cidade. A qualidade de vida na capital sergipana está 8,62% acima da média nacional. A avaliação torna Aracaju a melhor cidade do Nordeste e do Norte do Brasil para se viver. E a 12ª do país, logo abaixo do Rio de Janeiro e São Paulo. O índice de satisfação é maior em Brasília, 113,52% acima da média nacional, e é mais baixo no Rio Branco (AC), 64,94% abaixo.
O prefeito Marcelo Déda, naturalmente, quis faturar com o resultado. Na inauguração do Centro Administrativo do município, há poucos dias, fez a seguinte avaliação, puxando a brasa para a sua sardinha: “Aracaju está assim por causa de seu povo honesto, trabalhador e leal, mas também pelo resultado de um trabalho amplo que passa pela redução de 25% da mortalidade infantil, controle das endemias, mais educação, saneamento básico, melhor tráfego de veículos e pedestres e tantos outros.” E lembrou que sua administração tem feito “obras estruturantes”, como as da Coroa do Meio e Santa Maria, a orla do bairro Industrial e a avenida São Paulo.
A pesquisa mediu a satisfação das pessoas quanto aos aspectos relacionados a 12 quesitos, desde a renda ao consumo, desde os serviços públicos prestados à violência. Passada a euforia dos que justamente comemoraram, aí vai uma ducha de água fria: o resultado não é tão bom quanto parece. Os técnicos da FGV concluíram que as capitais do Norte e Nordeste ainda mantêm qualidade de vida sofrível em relação às do Sul, Sudeste e até do Centro-Oeste — apesar de que as maiores metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio, também ocupam posições intermediárias, estando colocadas um pouco acima da média nacional.
PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA – Um dado que preocupa é quanto à percepção da violência. Aracaju já é considerada pelos seus moradores uma cidade com algum grau de perigo. Nesse quesito, o índice de satisfação em relação aos problemas com violência ou vandalismo está 1,20% abaixo da média nacional, que não é necessariamente boa. Agora, Aracaju está bem abaixo de outra capital nordestina, João Pessoa, onde o índice de satisfação quanto à segurança está 51,38% acima da média nacional.
Aqui cabe comentar uma curiosidade da pesquisa: não é o Rio de Janeiro a cidade mais violenta do país, mas sim Belém (PA), onde a insatisfação dos moradores está 79,04% abaixo da média nacional. No Rio, a satisfação está 1,24% acima da média, quanto à violência. Parece pouco mas é significativo em se tratando da cidade onde se trava uma guerra diária contra o tráfico de drogas. Mais uma vez, Brasília é a cidade melhor avaliada: a satisfação com relação à questão da violência está 72,76% acima da média nacional.
EXCLUSÃO SOCIAL – Estratificada, a pesquisa sobre o índice de Condições de Vida revela que as carências de Aracaju variam de acordo com a classe social. Enquanto os moradores das Classes A e B estão mais insatisfeitos com o saneamento básico, os das Classes C e D demonstram maior insatisfação com a violência. Já os menos abastados da Classe E estão insatisfeitos com as condições de moradia da família.
Outra pesquisa confirma de certa forma os dados da FGV: Aracaju aparece bem no Nordeste, mas numa situação intermediária em relação ao restante. No livro Mapa da Exclusão Social no Brasil – radiografia de um país assimetricamente pobre (Fortaleza, Banco do Nordeste, 2005), do professor José de Jesus Souza Lemos, Aracaju aparece com um Índice de Exclusão Social de 12,10%, pouco acima do número de Salvador (BA), 10,75%, mas abaixo dos índices das demais capitais da região. Na capital sergipana, segundo o autor, 25,48% dos moradores são privados de renda, 16,52% são privados de saneamento básico, 9,50% ainda não têm acesso à educação, 4,05% não têm o benefício do serviço de coleta de lixo e 4,26% são privados de água encanada.
Aracaju não deve ser considerada a cloaca do mundo. É, no mínimo, um buraquinho bom de se morar. Mas podia ser melhor.
A propósito
Veja o que o jornalista Joel Silveira escreveu na imprensa carioca, no começo de 1956, a respeito da obra do udenista Leandro Maciel: “Quem nasceu em Aracaju ou a conhece sabe do morro da Rua do Bonfim, enorme, muito branco — uma duna sem tamanho que algumas ruas escalaram no seu caminhar de anos. Pois de sua areia branca (tão branca, lembra-se?), quando a noite era de luar, pouco resta. Leandro Maciel já derrubou metade do morro, derrubará o resto até junho próximo, livrará Aracaju daquela parede de areia que dividia a capital em duas. No caminho do bairro Industrial, os infectos alagadiços e mangues que apartam a estrada, estão quase todos aterrados e onde lama e o massapé mole logo será um pedaço novo da cidade, com suas ruas e praças já traçadas na planta.”
P.S.: Coisa do tempo em que mangue era visto como coisa a ser aterrada.
Por Marcos Cardoso
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