“Da FAP/SE à FAPITEC ou de como trocar seis por meia dúzia e sair perdendo” – por Ricardo Gurgel*

A área de Ciência e Tecnologia (C&T) brasileira tem sido tratada pela imprensa em geral, o que reflete na opinião pública, de forma altamente polêmica, onde argumentos favoráveis e negativos se alternam de acordo com o interesse particular ou o aspecto abordado.

Assim é que os acadêmicos e os gestores das agências de fomento à C&T (CNPq, CAPES, FINEP) enaltecem o aumento absoluto e relativo da produção científica nacional com inserção internacional (artigos publicados em periódicos de circulação internacional) em mais de 3  vezes, passando de 0,4% a 1,3% dos artigos publicados por ano de 1981 a 2000 . Por outro lado, os críticos comparam o número reduzido de patentes depositadas pelos pesquisadores brasileiros com o de países como a Coréia ou até mesmo a Índia que têm número de patentes em muito superior à nossa, apesar de número de artigos publicados semelhantes. Este é um assunto também extremamente polêmico que merece ser tratado separadamente. Lembro apenas que um importante fator determinante é a participação das empresas daqueles países na pesquisa e desenvolvimento de produtos. Aqui, somente as Universidades (majoritariamente as públicas) e, em menor escala, algumas grandes companhias (Petrobrás, Vale do Rio Doce, EMBRAPA, etc) fazem pesquisa de forma rotineira.

Dentro do Sistema Nacional de C&T dois fatores tiveram importância crucial para o seu crescimento e conseqüente maior eficiência, quais sejam: a ampliação das agências de fomento à pesquisa e desenvolvimento e a constituição dos Fundos Setoriais. Este último, mais recente, tem injetado recursos consideráveis no Sistema e viabilizou inúmeros projetos de grande porte (CTPetro, CTInfra, Fundo Verde e Amarelo, etc). Mas o que iremos tratar aqui é principalmente do primeiro, que tem origem bem mais antiga.

Tudo começa em São Paulo, no ano de 1962, ainda no governo Carvalho Pinto, com a criação da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Fundo Estadual de C&T. Desde esta época 0,5% e depois 1% de toda receita ordinária daquele estado é direcionado à FAPESP para investimento em pesquisa, formação de pessoal de alto nível e  de produtos tecnológicos. No último ano de 2005 a FAPESP investiu cerca de R$ 500 milhões em bolsas e apoio a pesquisas.

Demorou um pouco para que os outros estados criassem suas fundações de apoio e os respectivos fundos estaduais de C&T. Certamente esta é uma das razões do, cada vez maior, predomínio de São Paulo em relação ao restante do país. Mas, nos anos 80, e, principalmente nos anos 90, vários estados enxergaram a importância estratégica do investimento em C&T e constituíram suas FAPs e seus FUNTECs. Hoje, fundações como a FAPEMIG (Minas), FACEPE (Pernambuco), FAPERGS (Rio Grande do Sul) e FAPESB (Bahia) captam e investem quantias consideráveis em seus estados através das instituições públicas e privadas que fazem pesquisa.

Por incrível que pareça Sergipe foi um dos primeiros a constituir o seu Fundo, em 1982, mas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sergipe só foi constituída e começou a operar em 2000, com orçamento anual de R$ 50.000,00 para custear suas atividades. Estava ligada à Secretaria de Estado de Planejamento Ciência e Tecnologia e tinha como uma de suas missões mais importantes gerir o FUNTEC. Este tinha previsto o recebimento do repasse mensal de 0,5% da receita do ICMS, conforme reza as leis das fundações, o que, de fato, nunca aconteceu.

Timidamente no início, o repasse foi aumentando gradativamente, graças ao esforço pessoal do Prof. Jocelino Meneses, primeiro Presidente, e depois do Prof. Marcos Wandir Lobão, que o sucedeu com a troca do governo estadual, ao esforço do seu corpo técnico  e às demandas da comunidade científica estabelecida na UFS (principalmente), EMBRAPA e UNIT.

A administração do FUNTEC, no entanto, não é a única forma de a FAP atuar e investir em C&T no estado. Hoje em dia todas as agências de fomento à pesquisa (CNPq, FINEP, CAPES, etc) se relacionam com os pesquisadores diretamente ou através de suas FAPs. Número considerável de editais lançados exigem contrapartidas estaduais e a participação das FAPs, que usam dos recursos do FUNTEC para dar essas contrapartidas. Em geral esses recursos são altamente vantajosos aos estados, pois as agências costumam investir o recurso na proporção 2, 3 ou até 4:1. Desta forma a FAP/SE investiu em Sergipe R$ 751.293,00 em 2001, R$ 2.182.326,00 em 2002, R$ 5.182.270,00 em 2003, R$ 3.909.385,00 em 2004 e… nada em 2005. As previsões para 2006 continuam sombrias, pois não há nenhum novo edital em andamento ou a ser lançado, apenas tenta-se executar agora o que deveria ter sido feito ano passado.

E quem provocou tanto estrago no incipiente, mas promissor Sistema de C&T de Sergipe? Ao extinguir a FAP/SE em fins de 2004 criando a DIRAD no Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe (ITPS) pretensamente com função semelhante, o Governo do Estado promoveu tamanho imbróglio administrativo e gerencial que resultou na paralisação completa da utilização dos recursos (próprios e captados por convênios) e na criação da figura da “Agência Frankenstein”.  Esta foi a forma como o Professor Linaldo Cavalcante (paraibano ex-presidente do CNPq) se referiu a esta agência, ao denunciar o equívoco, na reunião preparatória para a Conferência Nacional de C&T em Recife ano passado.

Ficamos todo o ano de 2005 aprisionados a este emaranhado de erros e incertezas, de maneira que os recursos já liberados pelo CNPq e FINEP para o programa do Biodiesel e do Edital para captação de Doutores não puderam sequer ser utilizados. Agora estes recursos deverão ser liberados assim que a FAPITEC realmente voltar a existir (sim, porque na verdade ela ainda não existe na prática).

Qual a situação atual e quais as preocupações que temos a este respeito? Em dezembro do ano passado o Governador enviou à Assembléia, que aprovou sem nenhuma emenda os Projetos de Lei que modificam o FUNTEC, agora vinculado à Secretaria de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia e gerido pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CONCIT), também modificado em outro projeto de lei. No mesmo momento foi proposta e aprovada a instituição da FAPITEC e a extinção da DIRAD, desvinculando aquela do ITPS.

Voltamos então à situação anterior em que há a FAPITEC, há o FUNTEC gerido pelo CONCIT. Em que saímos perdendo então?

Em primeiro lugar perdemos quase 2 anos de trabalho e de investimentos; a repercussão negativa maior disto ainda estamos por sentir. Em segundo lugar perdemos credibilidade junto à comunidade científica nacional, pois o número de pesquisadores que antes estavam interessados em vir se instalar em Sergipe e que agora não querem sequer ouvir falar nisso é muito grande. Em terceiro há a sensação de orfandade na comunidade pesquisadora local, pois todo esse processo foi feito à revelia e até mesmo contra as opiniões de quem vive e conhece como se faz C&T no Brasil e mora aqui. Por último as alterações na composição do CONCIT e do Conselho de Administração da FAPITEC preocupam muito, pois novamente a comunidade científica local poderá ficar totalmente alijada de qualquer participação nas discussões e tomadas de decisões sobre os assuntos que lhe são tão caros e dos quais somos os maiores entendidos. Na composição do Conselho de Administração da FAPITEC não está mais prevista a participação das instituições que fazem pesquisa no estado (UFS, EMBRAPA e UNIT). Agora este é composto por 4 secretários de estado (que pouco têm interesse em C&T) e por 4 pessoas (quaisquer) indicadas pelo Governador. Reinvidicamos que essas pessoas sejam representantes das 3 instituições já citadas e do CEFET, para que possamos ter um fórum de debates e proposições à disposição da Presidência da FAPITEC.

Um último comentário relativo à inclusão do ITEC à FAP. Tem a ver com a visão distorcida, de que toda pesquisa tem que ter utilização prática imediata, de quem não sabe o que é C&T, e com a necessidade de “promover o empreendedorismo” numa contraposição preconceituosa entre quem produz o conhecimento e quem dele se utiliza para produzir riqueza. Para esta última finalidade já temos o SEBRAE, que desempenha muito bem seu papel, e o SERGIPETEC, que um dia poderá ser algo com esta função.

Na verdade, não se identifica no Governo estadual nenhuma pessoa interessada ou que entenda algo de C&T, o que leva a uma falta de política para o setor e à adoção de medidas equivocadas como a que comentamos aqui. Enquanto os outros estados fortalecem suas estruturas e investem pesadamente (a vizinha Bahia é exemplo notável), nós sequer temos uma secretaria de estado para o setor.

Continuo acreditando, tal qual o Galileu (do Brecht), que “a única finalidade da ciência é a de aliviar a canseira da existência humana” mas sei que o futuro não virá por si só: temos que “pegá-lo pelas orelhas” ou de qualquer forma, como pregava Maiakovski.

 

* Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe.

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