O ministro Carlos Ayres Britto fez o que se espera de um magistrado e mostrou independência ao votar contra o governo Lula no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas contra a parte da reforma da Previdência que institui a contribuição de inativos e pensionistas. Com o voto de Britto, o governo que o nomeou para o Supremo Tribunal Federal está perdendo por dois a um. A ministra-relatora Ellen Gracie julgou inconstitucional o artigo 4º da Emenda 41/03. Declarou, portanto, procedentes as ADIs 3105 e 3128, ajuizadas contra a cobrança. O ministro Joaquim Barbosa, outro que foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, votou em sentido contrário ao da relatora (e favorável ao governo), entendendo que o artigo 4º da Emenda 41 é constitucional, julgando improcedentes as ações. Terceiro voto, Britto acompanhou a relatora. O julgamento foi suspenso na quarta-feira (26) por pedido de vista do ministro Cezar Peluso. O ministro tem até 30 dias (não corridos) para apresentar seu voto-vista. Depois de dez dias, contados da data de recebimento dos autos no gabinete, o prazo é prorrogado automaticamente por mais dez dias, caso o ministro não devolva o processo para julgamento. Outros dez dias podem ser obtidos justificadamente. Há dois aspectos políticos a considerar nesse julgamento. Um é que o próprio STF já havia derrotado o governo quando este editou Medida Provisória criando a taxação dos inativos. O STF julgou que somente uma emenda à Constituição poderia instituir a cobrança, já que uma MP não pode se sobrepor à Carta. O governo fez o dever de casa e aprovou a Emenda 41 no Congresso, após quatro votações desgastantes na Câmara e no Senado. Agora, o mesmo STF pode considerar que a Constituição não deve ser alterada, pois este é um direito adquirido dos aposentados. Seria, portanto, uma cláusula pétrea. Este é justamente o outro aspecto: até onde a Constituição Federal, considerada por juristas mais críticos como uma imensa e florida colcha de retalhos, pode e deve ser mexida, alterada, atualizada? Carlos Britto, defensor das chamadas cláusulas pétreas, chegou a ser homenageado em plenário por um dos advogados dos impetrantes, que citou trecho do trabalho “Direito adquirido contra as Emendas Constitucionais”, publicado pelo ministro na Revista de Direito Administrativo. O trabalho versa sobre a impossibilidade de Emenda Constitucional ferir direito adquirido. Os advogados defendem o pacto entre gerações, contido no regime da repartição simples: a geração em atividade se encarrega de custear os benefícios da geração que está em inatividade. Como seria possível, sem fraturar de maneira séria o princípio da repartição simples, impor uma contribuição àqueles que já estão no gozo do benefício? Já a Advocacia-Geral da União sustenta que a cobrança dos inativos é uma questão de justiça e questiona se há mesmo direito adquirido nesse caso. O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, defendeu em parecer a inconstitucionalidade do artigo 4º da Emenda. Segundo ele, o legislador não poderia ter editado dispositivo que veicula norma agressiva ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. “É pacífica a doutrina hoje de que emenda à Constituição não pode ofender o direito adquirido”, disse o procurador. Ellen Gracie entende que a contribuição previdenciária é tributo vinculado a determinado tipo de prestação, que se destina a alimentar o fundo previdenciário vinculado a satisfazer as prestações previdenciárias, ou seja, os recursos dela destinados devem ser aplicados aos benefícios, como direito subjetivo do trabalhador. O servidor contribui para perceber, ao ingressar na inatividade, aposentadoria, ou seja, um acerto de contas. “A Emenda nº 41, em seu artigo 4º, portanto, segundo entendo, quebra o sinalagma da relação jurídica previdenciária, forçando aposentados e pensionistas a efetuarem verdadeira doação de parte de seus proventos em nome do princípio da solidariedade”, fundamentou a ministra. Ellen concluiu seu voto considerando que a nova contribuição acrescentaria novo ônus aos proventos e pensões, tendo por fato gerador, imposto sobre a renda, os mesmos proventos e pensões. Segundo ela, a Emenda encontra-se eivada de inconstitucionalidade, pois permite a bitributação. O debate aconteceu em alto nível. Mas criou-se uma queda-de-braço entre o governo Lula e o STF. É claro que um julgamento desfavorável — o que parece mais provável — será acatado pelo presidente. Mas com certeza ele deve estar usando o poder de sedução que ainda lhe resta para tentar conquistar os votos dos ministros do Supremo.
Portal Infonet no WhatsApp
Receba no celular notícias de Sergipe
Acesse o link abaixo, ou escanei o QRCODE, para ter acesso a variados conteúdos.
https://whatsapp.com/channel/
0029Va6S7EtDJ6H43
FcFzQ0B