Certamente todos viram e ouviram as várias propagandas em comemoração pelos dois anos de fundação do “Sergipe Parque Tecnológico”, ou seja, o SERGIPETEC, nas últimas semanas. O SERGIPETEC é, como diz seu folheto comemorativo, “uma associação civil, sem fins lucrativos, que vai transformar o Estado de Sergipe em um pólo de conhecimento […] A idéia é incentivar o empreendedorismo tecnológico, o ensino e a pesquisa aplicada, gerando negócios em todas as áreas de conhecimento”. É difícil de entender a operacionalização desse parque tecnológico e, mesmo, as razões para tamanho alarde. Para aumentar a confusão, convém considerar que a antiga Fundação de Apoio à Pesquisa de Sergipe (FAP-SE), apesar de funcionar muitíssimo bem até 2003, foi extinta e suas funções redirecionadas para então recém-criada Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC-SE), subjugada ao SERGIPETEC, no início deste mês. O fato é que, desde o ano de 2003, as funções da FAP-SE são objeto de descaso da parte do governo do estado, de esvaziamento de recursos e alterações estruturais sucessivas, o que tem confundido muito seus funcionários, por um lado, e provocado, nos pesquisadores, profundas incertezas quanto à continuidade dos projetos, e ceticismo total quanto aos rumos da Ciência em Sergipe, por outro. Com tantas mudanças, até de endereços consecutivos da FAP-SE, algumas questões surgem inexoravelmente: 1) Qual o propósito da vinculação da FAPITEC-SE à Secretaria de Estado da Indústria, do Comércio, da Ciência e da Tecnologia? 2) Na redação da nova lei de institucionalização da FAPITEC-SE, no seu parágrafo 6◦, uma de suas tarefas é “promover a realização de programas ou de parcerias com instituições privadas, objetivando o fomento à Ciência […]”. Ora, por que um parágrafo específico para tratar somente das instituições privadas? 3) O tom da lei é o de que a FAPITEC-SE deve custear projetos de ciência e tecnologia aplicadas. Vem daí minha maior dúvida: que lugar terá as Humanidades nesse órgão de fomento à pesquisa? A FAP-SE, nos quase dez anos de funcionamento efetivo, passou por quatro alterações de fundo. Só no atual governo, em menos de dois anos, houve duas grandes modificações: de independente e autônoma como suas congêneres de peso no restante do Brasil, ela passou a ser um mero departamento do Instituto Tecnológico e de Pesquisa do Estado de Sergipe (ITPS), vinculado, então, à Secretaria de Estado do Planejamento, da Ciência e da Tecnologia (SEPLANTEC). Depois de muitas críticas[2], foi substituída pela FAPITEC-SE, que surgiu com as mesmas funções, acrescentando-se, como novidades, a ênfase na inovação tecnológica e o vínculo à então reformada Secretaria de Estado da Indústria, do Comércio e da Ciência e Tecnologia (SEICTEC). De fato, não se entende muito bem a razão pela qual os assuntos ligados à Ciência e à tecnologia se adequam à Secretaria da Indústria e do Comércio. Mas é evidente a perspectiva de quem a concebeu: a predominância de uma visão tecnocrata e cientificista de quem pensa atrelar Ciência e tecnologia ao desenvolvimento econômico de cunho imediatista. Ora, o vínculo puro e simples entre indústria-comércio-economia e ciência-teconologia é conceitualmente consistente e legítimo? O raciocínio, grosso modo, é simplista. Quer-se desenvolver o Estado de Sergipe? Então, é necessário gastar o dinheiro com engenheiros (civis, químicos, de sistemas, de alimentos etc.), economistas, contabilistas etc. Ora, essa visão tacanha opõe as disciplinas tecnológicas às Humanidades. Na verdade a discussão central está no próprio conceito de desenvolvimento. Ou seja, na idéia de desenvolvimento as Humanidades não tomariam parte? Enfim, como não há tempo nem espaço para desenvolver esta questão aqui, o importante é notar que a FAPITEC-SE, subordinada à Secretaria da Indústria e do Comércio, aponta para o tutelamento da pesquisa que a empobrece e mutila, reduzindo-a a preceitos desenvolvimentistas retrógrados que alijam as Humanidades. No pacote de leis voltadas à Ciência e à tecnologia, aprovado no início de dezembro pela Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, sob a orientação do poder executivo, foram modificadas não somente as leis que instituíram a FAP-SE, mas, também, os objetivos do Fundo Estadual para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNTEC) e a organização do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CONCIT). O Fundo e sua administração, a verificação ou delimitação do que deve ou em que deve ser aplicado no financiamento das pesquisas, tudo se volta ao empreendimento tecnicista, dependente, pura e exclusivamente, do arbítrio unilateral do poder executivo estadual. Para ter-se uma idéia do centralismo cientificista adotado, o Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia é composto pelos seguintes integrantes, segundo o seu artigo 5º. da referida lei: secretários da Indústria e Comércio, da Agricultura, do Meio-ambiente. Acrescentam-se, ainda, o secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado de Sergipe, os diretores-presidente da FAPITEC-SE e do ITPS, os reitores da UFS e da UNIT, o diretor-geral do CEFET/SE, o chefe-geral da EMBRAPA, um representante da FIES e três membros escolhidos e nomeados pelo governador. Como se fosse pouco, não há uma única menção a um conselho científico para a FAPITEC-SE, ressaltando-se, apenas, que os indicados para discutir a Ciência e a tecnologia terão um perfil mais político/partidário do que técnico e, o que é pior, mais voltado para o setor produtivo privado do que ao público. Público, mesmo, será apenas o dinheiro do Fundo, mas cujo benefício, certamente, será privado. Estando tudo voltado às “ciências aplicadas”, como diz o próprio folheto comemorativo dos dois anos da SERGIPETEC, haverá espaço para o financiamento das pesquisas ligadas, pelo menos, às artes e às línguas? Que lugares terão a História, a Sociologia, a Filosofia e várias outras disciplinas tão valiosas? Em suma, que utilidade elas têm para os utilitaristas? Nenhuma! Os tecnocratas, e muitos políticos, não percebem que só há desenvolvimento científico e tecnológico quando há desenvolvimento humano e é por isso que o saber técnico não pode ficar distante do saber humano. Tradicionalmente, as Humanidades são um ideal de formação cultural ligado às línguas clássicas, à literatura vernácula, às línguas estrangeiras, à História, à Filosofia, às belas-artes. Num mundo marcado pela adesão acrítica à Ciência e suas práticas, em que há um abandono do ideal de reflexão, da contemplação e da autarquia do pensamento, em que há uma exaltação do mercado como sucedâneo da busca da felicidade, em que há uma adesão cega ao reino comercial e financeiro, só as Humanidades podem desenvolver a capacidade de usar os conhecimentos adquiridos para compreender melhor a realidade, criticá-la e melhorá-la. As Humanidades são, enfim, os contrapesos à cultura tecnocrática e cientificista. Excluir as Humanidades de projetos científicos é um erro nefasto. Se o objetivo do SERGIPETEC é desenvolver Sergipe em todas as áreas do conhecimento ele não pode ser indiferente à sensibilidade das Humanidades. [1] Pesquisador da FAP-SE e Professor de Ética e Filosofia Política do Departamento de Filosofia da UFS. [2] Entre as quais se encontram aquelas contidas num artigo publicado neste mesmo jornal sobre a situação da FAP-SE nesses tempos de penúria: “Os interesses da FAP-SE não são também os de Sergipe?”. Caderno Opinião, B-6, 21/06/2005.
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