1954, ano em que Brasil chorou a morte do seu presidente

Getúlio Vargas (Foto: Divulgação)

O ano era 1954, uma grande crise política desestabilizava o Governo Vargas. O então Ministro do Trabalho, o advogado João Goulart, mais conhecido como “Jango”, que anos mais tarde chegaria à Presidência da República tentando uma política de aproximação com o movimento sindical, autorizou um aumento de 100% ao salário mínimo, temendo a grande ameaça de greve ocorrida meses antes.

A consequência foi uma grande pressão dos grupos de empresários e de seus opositores liderados pela União Democrática Nacional (UDN). Nem o próprio Ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, foi a favor desse aumento. Então, naquele momento, Getúlio foi obrigado a recuar e João Goulart não teve outra saída a não ser renunciar.

Em fevereiro do mesmo ano, veio a público um manifesto denominado de “O Memorial dos Coronéis”, no qual havia duras críticas ao aumento salarial proposto pelo ministro e um discurso em favor da necessidade de fortalecer ainda mais o Exército na luta contra o comunismo que estaria ameaçando o país. Os autores do manifesto viam a aproximação de Getúlio com a classe trabalhadora como uma ameaça e o acusavam de estar planejando transformar o Brasil numa “República-Sindicalista”. Carlos Lacerda denunciou o Pacto do ABC (Argentina, Brasil e Chile) e acusou o presidente de estar fazendo uma aliança com a Argentina de Perón para lutar contra os interesses e a hegemonia norte-americana.

Getúlio, tentando salvar o seu governo que já estava desestabilizado, se aproximou da classe trabalhadora buscando apoio. No dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, fez um discurso denunciando as empresas estrangeiras e elogiando seu ex-ministro, e ele próprio concedeu o aumento de 100% aos trabalhadores assalariados. O auge de toda essa crise viria a estourar na madrugada de 5 de agosto de 1954. O jornalista Carlos Lacerda, chegando a seu apartamento no bairro Copacabana depois de um comício realizado no Colégio São José, sofreria um atentado. Esse episódio vitimaria o major da Força Aérea Brasileira, Rubens Florentino Vaz, segurança particular do jornalista.

Todas as suspeitas do mandante do crime caíram em cima de Gregório Fortunato, “o anjo negro”, homem de confiança e chefe da guarda pessoal do presidente. Na mesma noite Getúlio foi informado do atentado da Rua Tonelero, como ficou conhecido o episódio, e disse a seguinte frase: "Esse tiro no pé de Lacerda foi um tiro nas costas do meu governo”.

Dezenove dias após o atentado na Rua Tonelero, no dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas, o “Gegê” – apelido carinhoso usado por seus partidários -, acabaria com toda essa angústia com um tiro no coração. Imaginem o sofrimento de um senhor de 72 anos naqueles últimos meses e naquela madrugada, reunido com seus ministros. Como o mesmo Getúlio Vargas dizia: “o preço da derrota se paga com a vida”, mas ele em um golpe de mestre conseguiu vencer na derrota, deixando a sua Carta Testamento endereçada ao povo e que serviria como bandeira de luta para o trabalhador brasileiro.

Se Getúlio tinha uma mente suicida ou se foi uma decisão tomada em um momento difícil de sua vida, não podemos saber, o que sabemos é que o presidente, quando ainda jovem, era um leitor assíduo do escritor Raul Pompéia, autor do romance “O Ateneu”. E no momento de toda a crise do seu governo, em certa tarde, ao passar com a sua comitiva em frente à casa do escritor, pediu para que parassem. O chefe da nação permaneceu uma hora sozinho dentro da casa, as reflexões que passaram por sua cabeça durante aquela hora nunca poderemos descobrir, o que podemos dizer é que Raul Pompéia também foi um suicida.

Conforme o autor Lira Neto, em sua obra Getúlio (1882 – 1930) Dos anos de formação a conquista do poder, mostrou que Vargas presenciara dois suicídios em sua família. O do seu padrinho, o major Claudino da Silva, um veterano da Guerra do Paraguai, no qual, nesse episódio, Getúlio aos 17 anos olhara pela primeira vez dentro dos olhos de um suicida. E anos mais tarde, em 1920, o seu sogro Antônio Sarmanho, humilhado pelas dívidas devido à quebra do Banco Pelotense, resolveu atirar uma bala no próprio peito, a altura do coração, da mesma forma que seu genro Getúlio Vargas faria 34 anos depois.

Na manhã do dia 24 de agosto de 1954 o país perdia o chefe de sua nação, para o povo simples um “pai dos pobres”, para seus opositores “a mãe dos ricos”. O certo é que o Brasil chorou a perda do seu presidente e a comoção foi geral. O povo em um momento de fúria depredou o jornal do PCB, bem como todos os órgãos de imprensa que faziam oposição ao presidente, a exemplo do Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda, e O Globo, de Roberto Marinho. Nem a embaixada norte-americana se livraria das depredações. As manifestações não ficaram restritas apenas à capital federal, houve revoltas populares em todo o país, inclusive em Sergipe. Na cidade de Estância ocorreram depredações nas sedes da UDN e do Partido Comunista. Em todo o país estima-se um saldo de 10 mortos. Carlos Lacerda e os opositores do presidente tiveram que fugir da capital federal para não sofrer o mesmo destino.

Getúlio deixou como marca a sua ambiguidade que serve de questionamento até hoje para os estudiosos. O homem que implantou uma ditadura no Estado Novo voltaria ao poder em 1951 pelo voto e pelos braços do povo. Um autoritário que criaria as leis trabalhistas ainda em vigor nos dias de hoje, ora estava com os sindicatos, ora fechava os mesmos; em alguns momentos políticos perseguiu os comunistas, em outros conseguiu fazer Luiz Carlos Prestes subir em seu palanque. Antes da Segunda Guerra era simpatizante das ideias de Hitler, porém , quando a guerra esquentou, aderiu à pressão dos Estados Unidos e conseguiu fazer os norte-americanos financiarem a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional.

Getúlio Vargas foi um político habilidoso, ao ponto de o jornalista Assis Chateaubriand um dia dizer: “Maquiavel é pinto perto de Getúlio Vargas”. Com toda sua habilidade política, não podemos esquecer que Getúlio foi a ponte para transformar um país agrário num país industrial. Antes dele, o Brasil era uma grande fazenda. Por essas e outras, podemos dizer que Getúlio Dorneles Vargas foi o personagem político mais marcante da história do nosso país.
Harley Augusto Oliveira Santos é graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe. O artigo integra as colaborações feitas à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).

*Harley Augusto Oliveira Santos é graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe. O artigo integra as colaborações feitas à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).

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