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(Foto: Divulgação) |
Um negro cavalga nas planícies do Far West. O ano é 1858 e as pessoas, sejam elas livres ou sob o julgo da escravidão, ficam estarrecidas ante a sua presença. Seu olhar é altivo e sua língua afiada não hesita em retrucar as ofensas que lhe são atiradas. Seus trajes são alinhados e em seu coldre repousa uma arma carregada. Seu nome é Django Freeman, um homem livre.
Após Bastardos Inglórios (2009), Quentin Tarantino escolhe mais uma vez um cenário histórico para ambientar seu novo longa metragem. “Django Livre” (Django unchained), que estreou no Brasil em 18 de janeiro de 2013, apresenta ao espectador os Estados Unidos da América sulista dois anos antes da Guerra de Secessão (1961-1965). Neste conflito, o Sul dos EUA, a favor do sistema escravocrata, esteve em confronto com o norte do país, pró-abolição.
Mas este não é o foco do filme. Nele o espectador acompanha a trajetória de um escravo, que por um acaso acaba libertado por um alemão caçador de recompensas que abomina a escravidão, chamado Dr. King Schultz (Christoph Waltz). Livre, Django (Jamie Foxx) toma como seu objetivo principal resgatar a sua esposa, uma escrava que sabe falar alemão, Broomhilda Von Shaft (Kerry Washington).
Juntos, o negro e o alemão, que acabam se tornando parceiros, desbravarão o Velho Oeste à procura de recompensas e após um tempo, iniciam a busca pela amada de Django. Neste momento, o Dr. Schultz transformará o seu companheiro em um assassino profissional.
Todas as pistas levam a dupla a encontrar Broomhilda numa fazenda produtora de açúcar denominada Candyland, cujo proprietário é o excêntrico Monsieur Calvin Candie (Leonardo Dicaprio). A paixão deste por uma luta entre negros possibilita a aproximação dos caçadores de recompensa, que com suas artimanhas vêem-se próximos do seu objetivo final.
Sempre generoso nas tiradas irônicas, Tarantino mais uma vez envolve o espectador numa narrativa inteligente, embora, comparada a outras produções, não possua tantos dos seus diálogos ricos e desconcertantes. Entretanto, este faroeste não fica aquém dos seus trabalhos anteriores. Os famosos “banhos de sangue” têm lugar garantido, junto aos característicos momentos de tensão que tiram o fôlego espectador.
O filme, além do mais, oferece um painel do período de escravidão norte americano. Mesmo se tratando de uma ficção, observa-se a preocupação em fatores como o figurino e os cenários. Em especial chama a atenção os instrumentos destinados a tortura dos escravos, exibidos em algumas cenas.
De forma sutil, a produção também apresenta, em uma das cenas mais cômicas, uma alusão a Ku Klux Klan, ainda em fase de formação. Fundada originalmente em 1865, no estado de Tennesse, esta organização tem como característica principal a preocupação na preservação da população WASP (em português a abreviação significa Branco, Anglo Saxônico e Protestante).
Outro destaque é o vilão Stephen, interpretado pelo veterano em filmes “tarantinianos”, Samuel L. Jackson. O personagem é uma espécie de mordomo do Monsieur Calvin Candie e, apesar de ser escravo, despreza seus pares tanto quanto os seus senhores. Além do mais, o velho mordomo mostra-se como a “mente” por trás do seu senhor, dando conselhos e apontando o caminho que o proprietário da Candyland deve seguir. Talvez Stephen seja mais um sinal do diretor de um integrante da “minoria”, neste caso um negro, que apesar da situação em que estava envolvido, possuía uma relativa influência sobre o seu meio e até mesmo sob o seu senhor.
O velho Stephen é posto como uma representação antagônica de Django. A cor da pele é o fator que os une, e em comparação aos outros negros eles se destacam no momento em que estão inseridos; mas possuem ideias que seguem caminhos brutalmente opostos. É o embate entre antigas e novas mentalidades.
Ao seu modo, Quentin Tarantino proporciona em “Django Livre” um retrato de uma mentalidade que ainda não cicatrizou por completo nos Estados Unidos. A atuação da Ku Klux Klan nos dias atuais revela que aquela visão racista do século XIX, por incrível que pareça, ainda permanece viva em certas localidades norte- americanas. Assistir ao novo filme de Tarantino não é somente mais uma diversão. É uma oportunidade de refletir sobre o sistema social que deixou fundas feridas na alma norte-americana e também na brasileira.
Talita Emily Fontes da Silva é graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe e bolsista PET História/UFS. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Alves. O artigo integra as contribuições à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).
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