Justiça para todos, Punições para alguns

Nos últimos seis meses de 2012, os brasileiros puderam acompanhar cotidianamente pela televisão o julgamento dos acusados pelo crime do “mensalão”, que envolveu a alta cúpula do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições dos anos anteriores. Com o resultado da grande quantidade dos réus acusados de corrupção e com altas penas a serem pagas, um outro elemento daqueles acontecimentos chamou a atenção: a catapultada dos juízes do Tribunal de Justiça (TJ) à condição de celebridades e carregando o cetro de justiceiros.

Não estou interessado aqui em discutir o assunto “mensalão” e os rumos desastrosos que o PT viveu nas últimas décadas, mas sim analisar essas figuras que conduziram os destinos destes políticos. Dotados de beca, passando austeridade e prezando por discursos longuíssimos, os desembargadores do TJ nada mais representam, ao longo do tempo, a consolidação de um poder deveras fortalecido entre os seres “mortais”. Isso porque, em minha pesquisa sobre a formação da Comarca das Alagoas (1712) e a atuação dos seus ouvidores, pude compreender a lógica de funcionamento da justiça no Brasil desde a sua origem.

Instituídos para impor a ordem e o controle administrativo dos agentes da coroa portuguesa no Ultramar, os ouvidores tiveram suas ações alargadas com o passar dos anos. Formados em Direito na Universidade de Coimbra, muito desses homens já haviam tido a experiência de juízes ordinários/vintena (considerada a primeira etapa de ascensão na magistratura) em alguma localidade portuguesa antes de assumirem a função de ouvidor. Sem dúvida, esta última, considerada também transitória para ocupação do posto de Desembargador nos Tribunais (no caso do período colonial existentes na Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco).

No entanto, eram como ouvidores que seus poderes alargavam, onde as redes de poder e a formação de teias sociais se consolidavam, bem como onde passavam a constituir alianças políticas, acordos econômicos e entrelaçamentos matrimoniais (mesmo sendo proibido) com a elite local. Nesse momento, atuavam em todas às instâncias das conquistas, extrapolando os meandros da justiça: prendiam por concubinato, interferiam em acordos econômicos, se intrometiam em assuntos eclesiásticos e geravam conflitos de jurisdição com outros agentes administrativos.

Desta feita, quando chegavam à condição de Desembargadores já haviam experimentado o fortalecimento de seu poder e a instituição de sua imagem como bons vassalos do rei, de probidade administrativa e zelo pela justiça. Representação essa que podia ser arranhada com as queixas dos súditos que se diziam injustiçados pela corrupção, pela venda de favores, pelas ações privadas e pelo mau comportamento moral dos ouvidores. Sem dúvida era uma ameaça e tanta na ascensão da carreira de um magistrado, ainda maior no arranho da imagem dos desembargadores. Talvez por isso, as correições e devassas (instrumentos de avaliação de ações dos agentes régios) quando se tratavam de juízes, ouvidores e desembargadores, pouco acabavam em condenações. Segundo Nuno Camarinhas, no século XVIII, menos de 1% destes instrumentos condenaram seus pares, o que nos leva a pensar na construção de um fortalecimento de grupo e de uma instituição na sociedade portuguesa e, depois, brasileira.

Assim, é justamente por isso que ao olharmos os desembargadores do TJ condenando os culpados pelo “mensalão” somos envolvidos por uma áurea de honestidade, correição, integridade e retidão… E mais do que isso, do sentimento de justiça aplicada por um Estado que deve fazer isso com quem foge as regras, corrompe as leis e escapa das normas, desde que não estejamos falando dos pares!

Antonio Filipe Pereira Caetano é professor do curso de História da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordena o Grupo de Estudos América Colonial (GEAC). O artigo integra as contribuições à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).

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