![]() |
(Foto: divulgação) |
Luiz Bezerra, graduando em História
É notório no Brasil o crescente número de historiadores que tratam em analisar variados tipos de fontes para entender os processos de alforria em diferentes regiões do país. Entre os muitos registros, os testamentos são fundamentais. Vejamos um exemplo. Em 1855 ocorreu um caso talvez pouco comum para a região de Laranjeiras daqueles dias. Foi no “Engenho” Ilha, quando por motivos de saúde Dona Emererciana Suphia Luciana Barreto resolveu fazer seu testamento. A testadora era natural de Itabaiana, porém, fixou residência em Laranjeiras, sendo católica, casada em segundas núpcias com o coronel Pedro Muniz Barreto e mãe de dois filhos, um já falecido.
De família abastada, Emererciana deixou vários bens, como engenho, terras, dinheiro, objetos de valor e escravos para todos os herdeiros. Porém, o que impressiona realmente nesse material é a quantidade de escravos alforriados e os vários benefícios que eles receberam. Foram deixadas terras, dinheiro, possibilidades de educação e algumas promessas para seus cativos. Mas o que levaria uma senhora dona de engenho a alforriar tantos escravos, sendo que provavelmente a maioria estava envolvida na produção do açúcar?
Levando em consideração que a quantidade de braços negros/escravos no Sergipe oitocentista talvez não fosse suficiente para atender a demanda dos vários engenhos, principalmente na zona da Cotinguiba, era de fundamental importância o uso da mão-obra livre. Assim, a presença de lavradores em algumas regiões poderia aumentar em alguns casos a incidência dos números de alforrias. Mas, seria esse o motivo que levou Dona Emererciana a libertar seus preciosos escravos? Não seria esse um caso particular? É difícil explicar tal atitude. Na verdade, a concessão de alforria via testamento era comum em todo o Brasil, e o modo como se dava a liberdade dependia de seus senhores.
A testadora reservou uma grande parte do seu testamento para seus cativos. De forma incondicional (sem cláusulas restritivas) ela deixou “livre de todo cativeiro e perseguição” os escravos Luiz grande, Julião, Maria gegê, Clara mulata, Silvéria (mulher de Pedro) e Isabel Maria. Com a condição de servir marido e filho por 4 anos, ficaram Marcelina e Rosa, sendo que seus filhos seguiriam as mesmas condições. Deixou livre ainda pela metade Anna Rita, Ursulina e Anna, sendo que seus filhos herdariam também a respectiva condição. Para essas escravas ficaram terras, onde poderiam trabalhar livremente durante todo o ano. Dessa forma, todas elas poderiam pagar a outra metade de suas alforrias.
Com a condição de servir até completarem 25 anos de idade, a senhora deixou Felisberta e Luciana (ambas as filhas da escrava Ursulina) e Maria (filha da escrava Anna). Para os escravos Christovão, Henriques e Daniel, foram deixados trezentos mil réis a cada, para que cada um complementasse a compra da própria alforria. Para as africanas Ritta e Felicidade ficaram cada uma com duzentos mil réis para serem pagos em quatro parcelas de 25 mil réis. Para sua nora, Dona Emererciana, deixou uma mulatinha de nome Clara, para receber educação e casamento.
Por fim, através da analise do testamento de Dona Emererciana, percebemos que, mesmo numa sociedade altamente escravocrata e desigual, as relações sociais entre senhores e escravos se deram de modo mais complexo do que comumente imaginamos. E por muitas vezes esse “contato” possibilitou a liberdade de alguns escravos. Mesmo que essa liberdade fosse limitada. Testamentos como os de D. Emererciana Barreto traziam, na tristeza do luto, a feliz possibilidade de alguns felizardos cativos se livrarem de todo cativeiro e perseguição.
Luiz Bezerra é bolsista PET-História e graduando em História pela UFS. O artigo integra as colaborações à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).
Portal Infonet no WhatsApp
Receba no celular notícias de Sergipe
Acesse o link abaixo, ou escanei o QRCODE, para ter acesso a variados conteúdos.
https://whatsapp.com/channel/
0029Va6S7EtDJ6H43
FcFzQ0B