Quando os sinos dobrarão pela fome?

(Foto: Divulgação)

Quando lhe perguntarem sobre qual é o mais importante dos temas não titubeie ao responder que é a segurança humana! Se o interlocutor se espantar reitere calmamente, é a segurança humana. Explique-lhe que o homem em tempos atuais, como em tempos passados, sempre esteve em risco de morte. Se houve um avanço no ato da morte ao longo dos séculos foi em dois quesitos: rapidez e meios. Refiro-me não somente quanto à morte física, mas a todas as maneiras como uma pessoa pode ter sua morte personificada: espiritual, cerebral, social, à liberdade de poder desenvolver todos os recursos de sua natureza. Norberto Bobbio já dizia que a história da liberdade avança lado a lado com a história das privações de liberdade e, levando-se em consideração a amplitude de conflitos que se espraiam pelo mundo, ele ainda tem razão.

Um dos primeiros pontos que um estudioso do conceito da segurança humana tem que ter em mente é que o seu raio de ação será enorme, especialmente em contraposição à segurança militar dos estudos estratégicos. Os estudos da segurança humana precisariam então ser redimensionados? Por qual razão, haja vista a falta de limites à ação humana? Onde há vida humana, há a necessidade de estudar este cenário. Limite ambicioso? Não necessariamente, mas é multidimensional e, por conseguinte, complexo.

Costuma-se reiterar nos estudos da segurança humana que basta um estado de guerra potencial para que a razão do Estado prevaleça sobre a razão humana, que desejaria ver garantidos os direitos do homem. O discurso em prol da vida surge rapidamente abafando quaisquer outros. Contudo, quais seriam os tempos em que este estado de guerra potencial não deveria prevalecer? Para início de conversa poder-se-ia afirmar que no século XXI não houve um momento sequer de não existência desta possibilidade. Uma das heranças do macabro século XX foi a mutação do conceito da guerra. A tradicional concepção de guerra como ocorrendo entre Estados tornou-se a realidade de guerra por quem detém o uso da força, o que em um linguajar próprio das Relações Internacionais, usar a força significa poderio armado.

E o que seria este poder armado? Qualquer instrumento de coerção. Por exemplo, um quilo de comida, remédios, água, podem se tornar armas por significar sobrevivência e poder coercitivo para inferir que só quem o detém, e o controla, sobrevive. Deprimente? Com certeza. É o aspecto da segurança como um conceito negativo, e a insegurança como um conceito positivado. Quanto maior a insegurança do cenário, mais alguém estará lucrando. Caso as Relações Internacionais não sejam sua área dileta de leitura olhe então a seara interna do Estado. Note como aparecem os vendedores dos momentos da escassez. Quando a chuva vem apontando no céu, lá estão os vendedores de guarda chuva. No hospital, quando a família ainda nem absorveu o golpe da passagem de um ente querido, ou não, lá estão os vendedores de serviços funerários. Na seca? Sempre haverá alguém vendendo água. E na fome?

Em um cenário onde uma pessoa morre de fome em uma média de cinco segundos, onde 850 milhões de pessoas passam fome, o que significa 12,5% da população mundial, há alguma dúvida sobre a existência ou não de uma guerra pela sobrevivência? O número já esteve mais alto? Sim, sem dúvida. Em 2009 a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) alertou que o número havia superado a barreira de um bilhão. A queda deste número tem realidades duais: uma que lista o avanço da redução da fome no mundo e a outra sobre o aumento da rapidez da morte. Caso não consigam visualizar este número pensem que são praticamente cinco Brasis… Então quando lhe perguntarem sobre qual é o mais importante dos temas não titubeie e responda que é a segurança humana cujo foco é o homem que, entre outras coisas, luta para não morrer de fome. Como outrora, e ainda hoje, em pleno século XXI…

Tereza Cristina Nascimento França é Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB); Professora do Núcleo de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Membro da International Law Association (ILA) – Member of Member of the Nuclear weapons, Non Proliferation & Contemporary International Law Committee, Coordenadora do LABECON (Laboratório de Estudos de Conflitos e Paz) – Email: heresnemo@gmail.com. O artigo integra as colaborações à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS).

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