Em vigor desde o dia 3, a Lei 13.869/2019, que ficou conhecida como a nova Lei de Abuso de Autoridade, substitui uma lei antiga criada no âmago do regime militar, em 1965. Mas, na prática, conforme entendimento de juristas, a nova lei define, de forma mais concreta, as condutas de autoridades [seja civis ou militares] que podem ser classificadas como abusivas durante o exercício profissional. Alguns entendem que é menos genérica e outros são de opinião contrária. A novidade é que esta nova lei afeta também magistrados e membros do Ministério Público, além de outros segmentos dos demais poderes na estrutura administrativa estatal.
As opiniões divergem. De um lado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comemora pelo entendimento de que o novo dispositivo “veio para garantir o devido processo legal”, para proteger os direitos fundamentais do cidadão sem criar embaraços às investigações, conforme observa o advogado Aurélio Belém, secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE) e presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas em Sergipe (Abracrim/SE).
No entanto, do outro lado da questão, em situações nas quais figuram as autoridades que comandam a investigação, denunciam e até julgam os processos judiciais decorrentes dessas investigações, há segmentos que entendem que a nova lei foi criada em um momento raivoso do Congresso Nacional, decorrente de investigações que culminaram com espetaculosas operações policiais e prisões de pessoas fluentes, acusadas por prática de crimes que trazem grandes prejuízos ao erário, que antes eram amparadas pelo manto da impunidade, conforme entendimento do delegado Tiago Lustosa, da Polícia Civil de Sergipe, que cita a Operação Lava Jato no rol das grandes investigações que incentivaram uma resposta do Congresso Nacional.
Na ótica do delegado Tiago Lustosa, a nova lei também destaca qualidades, mas recheadas de defeitos, que podem causar mais transtornos que benefícios. “A nova lei vem carregada de expressões que podem gerar interpretações que podem gerar insegurança”, diz o delegado. E como qualidade, Tiago Lustosa aponta o fato da nova lei definir com maior clareza as condutas abusivas dos servidores públicos. “Mas o maior defeito é que a lei nasceu em um contexto, como forma de retaliação ao combate à criminalidade”, comenta o delegado, lamentando que a nova lei não tenha sido objeto de maiores discussões antes de ser aprovada pelo Congresso Nacional.
Inconstitucionalidade
Concretamente, existe um movimento nacional pedindo a inconstitucionalidade de aspectos dessa lei, reações de segmentos, que veem a nova lei de abuso de autoridade como uma alternativa para ferir a independência e a autonomia das autoridades envolvidas nas investigações e nos consequentes processos judiciais. Seis entidades de classe, que possuem como associados magistrados, promotores de justiça, procuradores e auditores, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a declaração de inconstitucionalidade de alguns dispositivos dessa nova lei.
Neste contexto, quatro ações diretas de inconstitucionalidade estão tramitando no STF, movidas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação dos Procuradores da República (ANPR), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e até pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco). Todas foram distribuídas para o ministro Celso de Melo, que atua como relator desses processos judiciais.
Conforme esclarecimentos do próprio Supremo Tribunal Federal, as entidades alegam que a “nova lei criminaliza a atuação funcional dos associados e fere a independência e a autonomia de juízes, promotores, procuradores de justiça e do Ministério Público Federal (MPF)”. O ministro Celso de Melo ainda não se manifestou quanto ao mérito dessas ações, que estão diretamente relacionadas à inconstitucionalidade de dispositivos explícitos na nova lei. Mas, sem se manifestar quanto aos pedidos, o ministro não reconhece a ação da Anafisco por entender que aquela entidade representa apenas uma parcela dos auditores fiscais no âmbito do território nacional e não teria legitimidade para iniciativas dessa natureza.
Aprimoramento
O advogado Aurélio Belém analisa que a nova lei é mais técnica, não incentiva a impunidade e exige provas quanto à conduta do agente público, apesar de reconhecer a necessidade de novos aperfeiçoamentos. “A nova lei é mais técnica, taxativa e bem mais garantista que a anterior, o que significa segurança jurídica, inclusive, para o agente público que somente poderá ser responsabilizado em caso de manifesto excesso na conduta dolosa que implicar em abuso de autoridade”, ressalta Belém.
Aurélio Belém destaca que a nova lei é tecnicamente superior à lei que a antecedeu e estranha a reação de servidores públicos que se declaram contrários aos efeitos dessa nova lei. “Infelizmente, os protestos querem me parecer engendrados pelos críticos costumazes que se aproveitaram do momento político em que a lei foi aprovada para nela tatuar a imagem antiética da revanche, da resposta dos políticos à operação Lava Jato”, comenta o advogado.
Belém classifica como argumento populista a alegação de que o novo texto foi construído como revanche à Operação Lava Jato e outras ações, que culminaram com a prisão de autoridades fluentes, envolvidas com desvio de recursos públicos. “Contudo, esse argumento populista e barulhento não resiste a uma simples leitura do texto da lei”, crê. “Afinal, embora discipline crimes de abuso de autoridade, a lei é protetiva em relação aos agentes públicos”, explica. “O que causa estranheza são servidores públicos, fiscais da lei e de órgãos de controle, posicionarem-se veementemente contra uma lei que busca coibir o abuso de poder dos agentes públicos no exercício da função ou a pretexto de exercê-las. Afinal, a nova lei trouxe a previsão de que as ações penais são públicas incondicionadas, isto é, a legitimidade para propositura do processo criminal caberá ao Ministério Público e quem as jugará? O Judiciário”, complementou.
Conheça algumas ações de agentes públicos que se caracterizam como condutas dolosas:
– Decretar prisão fora das hipóteses legais
– Deixar de revogar prisão quando ausentes os seus requisitos
– Bloquear quantias pecuniárias em valor maior que o devido
– Conduzir coercitivamente testemunhas ou suspeito, sem prévia intimação
– Ajuizar ação penal sem justa causa fundamentada ou contra inocente
– Divulgar dados ou informações em segredo de justiça
– Divulgar informações interceptadas e que não guardem ligação com a investigação
– Antecipar publicamente a atribuição de culpa a investigado antes de formalizada a acusação
– O policial que deixar de se identificar ao preso no ato da prisão
– Não permitir a entrevista do preso com o advogado constituído
por Cassia Santana
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