Uma nota pública foi divulgada nessa sexta-feira por assinada por várias entidades ligadas à defesa dos direitos de crianças e adolescentes. O texto fala sobre como o “caso Pipita” foi tratado pela mídia sergipana. Leia abaixo o texto na íntegra:
Nota Pública
ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ÁREA DA INFÂNCIA DENUNCIAM EXCESSOS DA IMPRENSA EM COBERTURA SOBRE COMETIMENTO DE ATO INFRACIONAL POR ADOLESCENTE
Representantes de órgãos e espaços de defesa dos direitos da criança e do adolescente vêm a público manifestar o seu veemente repúdio aos excessos cometidos pelas emissoras de televisão, rádio, imprensa escrita e meios eletrônicos de informação do Estado de Sergipe, na divulgação dos acontecimentos envolvendo o adolescente Cleverton Santos Reis, 17 anos, popularmente conhecido como “Pipita”, morto no dia 22 de março no povoado Campo Grande, em Tomar do Geru, a 131 km da capital.
As abordagens sensacionalistas violaram o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através de seus arts. 5º, 70 e 247, §§ 1º e 2º, desrespeitaram a cidadania, colocaram em risco a sociedade democrática e ajudaram a promover a cultura da violência e do autoritarismo. Por um lado, publicaram fotos e o nome de Cleverton Santos Reis e exigirem sua morte como solução eficaz para o caso, estes discursos impediram o desfecho correto para os acontecimentos ensejados pelo adolescente e justificaram a atitude abusiva para o trato de questões sociais graves, como se a morte fosse suficiente para resolver o problema da violência.
Por outro lado, no ano em que o ECA completa 18 anos, na contramão dos direitos infanto-juvenis adotando uma cobertura equivocada que expõe amplamente as vítimas e suas vidas, seus familiares e sua intimidade. Em atitude revitimizadora, as adolescentes, através das incontáveis entrevistas e do modo grosseiro como se deu a exposição dos casos, foram constrangidas ao serem incitadas a relatar as violações e, por conseguinte, ao reviverem toda a violência física e psicológica a que foram acometidas. Em alguns momentos, frise-se, são obrigadas a aparecer segurando a foto de seu agressor, ademais de terem suas imagens vinculadas a manchetes grosseiras e de baixo calão.
Todo o discurso voltou-se a cobranças por policiais, helicópteros, cães farejadores, e se deixou de abordar os efeitos da falta de educação, de acesso à saúde, ao lazer e, especialmente, a importância da referência familiar para a construção da identidade dos seres humanos e políticas públicas preventivas como a instalação das medidas sócio-educativas em meio aberto nos municípios sergipanos, como forma de prevenir o cometimento de atos infracionais e de incentivar a ressocialização de adolescentes em conflito com a lei.
Nenhuma cobrança se percebe quanto à atuação da Defensoria Pública, sobremaneira, sobre a existência de defensores para atender à população infanto-juvenil na luta por seus direitos, conforme prevê o art. 134 da Constituição Federal de 1988. A título de exemplo, a 17ª Vara Cível da Comarca de Aracaju, que apura atos infracionais e fiscaliza a execução de medidas sócio-educativas, não possui Defensor Público. Também não se ouviu qualquer discurso, ao menos nas semanas dos acontecimentos, em relação ao cumprimento do art. 245 da Constituição, que dispõe sobre a atenção às vítimas de atos infracionais.
Os meios de comunicação, que sempre estiveram alinhados às grandes causas da cidadania, não podem se permitir a contradição que cometeram na cobertura do caso Cleverton Santos Reis; não podem confundir liberdade de expressão com o uso abusivo da expressão; não podem entender a liberdade de expressão como mecanismo capaz de voltar a sociedade contra a democracia, contra os direitos humanos, contra uma cultura de paz e não-violência. É a liberdade de expressão parte de todo o processo democrático e não contra ele.
Para que fique claro, as entidades e órgãos que assinam a presente nota não justificam os atos cometidos pelo adolescente referido nem esquecem das vítimas dos atos graves que o adolescente cometeu. Ao contrário, solidarizam-se com elas, manifesta o seu pesar por todos os fatos, mas não pode esquecer que erros, ainda que sejam considerados graves, não podem justificar outros erros, inclusive, contra as próprias vítimas, igualmente adolescentes e em face de quem a imprensa também cometeu atos repudiáveis de violação de direitos.
Entendendo que o ECA defende a existência de condições suficientes para a garantia de direitos de todas as crianças e adolescentes, é uma preocupação dos órgãos e entidades que assinam a presente nota o fato de que nenhum ser humano, sobremaneira, crianças e adolescentes tenham seus direitos violados sob qualquer hipótese ou justificativa através de atitudes abusivas por parte dos meios de comunicação.
Diante do exposto, os subscritores deste documento reclamam a divulgação, na íntegra, desta nota em todos os veículos de comunicação, e exigem uma retratação pública quanto ao modo como foram abordadas todas as ações envolvendo o adolescente Cleverton Santos Reis e as adolescentes vítimas de seus atos em conflito com a lei, ademais de aguardarem o compromisso pelo cumprimento dos parâmetros éticos que circundam a comunicação e os meios através dos quais esta se realiza.
04 de Abril de 2008.
Assinam a Nota Pública os seguintes órgãos e entidades:
– Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Aracaju (CMDCA),
– Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA);
– Núcleo de Apoio à Infância e à Adolescência (NAIA) do Ministério Público do Estado de Sergipe;
– Promotoria de Justiça da 17ª Vara da Infância e da Adolescência;
– Promotoria de Justiça da 16ª Vara da Infância e da Adolescência;
– Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA-SE);
– Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH-SE;
– Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente Nacional;
– Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente Estadual;
– Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Aracaju;
– Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Sergipe;
– Rede ANDI Brasil – Comunicadores Pelos Direitos da Criança e do Adolescente:
· Instituto Recriando – Projeto Infância em Foco – (Sergipe);
· ONG Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Paraná);
· ONG Cipó – Comunicação Interativa (Bahia).
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