“Fascismo S.A.”

Pedro Carvalho Oliveira

Graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe. Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPq). E-mail: pedro@getempo.org

Robert Paxton, em seu “Anatomia do Fascismo”, afirma que a política fascista atua, dentre outras formas, envolvida em uma relação pouco confortável com o capital financeiro, mas necessária e funcional aos seus objetivos. Foi assim na Itália de Benito Mussolini, na Alemanha de Adolf Hitler e em diferentes países ocupados pelos fascistas durante a Segunda Guerra Mundial, como na Grécia a partir de 1941. A participação do grande capital privado industrial teria sido indispensável para a manutenção e o crescimento destes regimes onde atuou. É isto que tenta provar o documentário “Fascismo S.A.” (Fascism Inc.), do cineasta grego Aris Chatzistefanou, lançado em 2014.

Em quase uma hora e meia de documentário, Chatizstefanou nos apresenta como desde os primórdios, o fascismo esteve atrelado a uma forte aproximação com o capitalismo. Sem ele, nos diz a película, o regime italiano e o alemão não seriam possíveis, embora alguns autores insistam em esclarecer a rejeição fascista ao capital liberal. Contando com o depoimento de historiadores e cientistas sociais, “Fascismo S.A.” aponta o apoio dado aos “Camisas Negras” de Mussolini por empresas que se beneficiariam das violentas repressões desta milícia a grevistas, líderes sindicais e manifestantes socialistas. Hitler, após o fracasso de seu golpe em 1923, com o Putsch de Munique, quando o apoio financeiro de empresas estava longe de seu movimento, buscou conquistá-lo.

O historiador Eric Hobsbawm, em “A Era dos Extremos”, alerta para o fato de que este apoio só apareceria após a crise de 1929. Antes disso, Hitler e o nazismo eram vistos com desconfiança pelo empresariado alemão. Até a chegada da Grande Depressão, sequer era uma opção política real para as classes mais altas do país. Ao mesmo tempo, crescia ali os movimentos socialistas que ameaçavam a hegemonia capitalista e preocupava seus adeptos. Ao passo em que se empenhava na luta contra o socialismo, Hitler e seus partidários ganhavam um apoio maior.

Estes processos nos são apresentados por meio de imagens entre o passado e o presente, editadas de forma a transmitir aos expectadores a sensação de que há algo daquele tempo que permanece até os dias de hoje. Isto é confirmado quando o documentário passa a abordar a presença do fascismo na Grécia com o “Aurora Dourada”, partido neonazista que, em meio à crise econômica vivida pelo país desde 2008, cresceu nas pesquisas políticas e conseguiu eleger 21 deputados nas últimas eleições. A popularidade deste partido – cuja agenda critica efusivamente a imigração e evoca um nacionalismo extremista – seria fruto de um apoio consistente do capital empresarial grego, comandado por proprietários de fábricas, e de meios de comunicação locais ligados a estas empresas e dispostos a fornecer ao partido uma imagem agradável de seus líderes frente à população.

Neste sentido, a Grécia é mais um dos países que observam um crescimento significativo da extrema-direita entre as intenções de voto no século XXI. Este crescimento está ligado a uma reformulação dos discursos de seus principais partidos, adaptados aos tempos atuais e buscando um afastamento das imagens fascistas mais tradicionais. Orgulhosos de serem considerados rejeitados pelo cenário político, colocam-se enquanto solução aos governos de esquerda e direita que estariam sendo incapazes de lidar com as crises nacionais. O “Aurora Dourada” é um assustador exemplo de como isto vem funcionando. O “Front National”, da francesa Marine Le Pen, ganha demasiada atenção dos eleitores franceses usando-se das mesmas estratégias.

Ao buscar no passado do fascismo as suas relações econômicas com grandes empresários e demonstrar a sua reprodução nos dias de hoje, tomando como exemplo o caso grego, explorando o contexto ao qual Aris Chatzistefanou, seu diretor, está ligado, “Fascismo S.A.” é uma boa obra para pensarmos o viés econômico do fascismo, seja nos tempos de Hitler e Mussolini, ou nos tempos de Le Pen e Mihaloliakos. Simples e objetivo, o documentário fornece, em tom de denúncia, um panorama do que considera uma presença inaceitável dentro da política grega.

O GET-UFS realiza atividades de intercâmbio apoiados pela FACEPE através de Auxílio à Pesquisador Visitante junto ao GEHSCAL, Grupo de Estudos Históricos Socioculturais da América Latina na linha de História do Tempo Presente (UPE). O GET também é apoiado  pela FAPITEC através do  Edital FAPITEC/SE /FUNTEC/CNPq N° 04/2011- Programa Primeiros Projetos (PPP).

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais