A ÁFRICA ESTÁ EM NÓS

Roberto Benjamim, professor e promotor de Justiça em Pernambuco, presidente da Comissão Nacional do Folclore, é o autor de um livro didático, recentemente lançado no Recife e em Laranjeiras, durante o XXIX Encontro Cultural, que tem como título A África está em nós (João Pessoa: Editora Grafset, 2003). É um 1º volume de uma obra dedicada à história e à cultura afro – brasileira, distribuída numa tábua de matérias que contempla a África Fundamental, as Heranças Africanas, a História da África, a Escravidão, Afro – Brasileiros na Sociedade Brasileira, e complementada com Pautas Musicais e com Textos Literários, de autoria de Solano Trindade, Antonio Jacinto, Noémia de Souza, Castro Alves, além de poetas populares negros e do conto popular Macaquinho de Angola. O livro de Roberto Benjamim foi elaborado para atender aos dispositivos da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro – Brasileira. A nova Lei diz que o conteúdo programático inclui o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil ( parágrafo 1º do artigo 26-A). Roberto Benjamim começa seu livro com um texto que passa a ser antológico, reunindo simplicidade de informação e síntese crítica: “Quando a gente pensa na África imagina um ponto distante do outro lado do Oceano Atlântico. Mas a África é um continente muito grande, com mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, dividido em mais de 50 países, onde se falam mais de 2000 idiomas e que é povoado por quase 800 milhões de habitantes. Podemos ter uma idéia da diferença de proporções entre o nosso País e a África, de onde veio uma parte dos nossos antepassados, se lembrarmos que o Brasil tem pouco mais de 8 milhões de quilômetros quadrados e cerca de 170 milhões de habitantes e que a língua portuguesa é falada pela maioria absoluta da nossa população.” Há, no corpo do livro, vasta ilustração e dentro dela cenas das ruas de Laranjeiras nas festas de São Benedito e de Santos Reis, grupos folclóricos, focados nas ruas, durante a realização dos Encontros Culturais. Os afro-brasileiros de Sergipe estão retratados, o que torna a obra regional, apta a ser utilizada em qualquer escola nordestina e brasileira. O autor, cuidadosamente, povoou o seu livro com o que de melhor a cultura popular produz no Nordeste, debaixo de forte influência negra. A Mussuca, povoado de Laranjeiras, tem grupos folclóricos singulares, como o do São Gonçalo, formado unicamente por homens, vestidos de calça e saiote, enfeitados de longas fitas coloridas, com as cabeças cobertas por uma espécie de turbante, branco com grossa fita vermelha, toalha de renda sobre o corpo e demais enfeites, que dançam um tipo de batuque, marcado pelo som forte e compassado do Patrão, rodando como a formar e a desformar espirais, enquanto o canto repetido diz: “É na ponta dos pés/ é de calcanhar”, perguntando: “Aonde mora o Rei de Congo?” A Mussuca mais parece um quilombo extinto, com uma indisfarçável maioria negra de moradores, que ganha visibilidade nos grupos do São Gonçalo, do Samba de Parelha, forma de dança de coco, formada por mulheres, com seus tamancos, saias rodadas, cantando e dançando suas jornadas. Laranjeiras era, no tempo da Província, um reduto de negros haussás, islamizados, que usavam cavanhaque e que preferiam a morte, por enforcamento, a continuarem escravos. Os haussás, que na Bahia tomaram o nome de malês e também reagiram à escravidão, terminaram diluídos no conjunto da população oriunda de várias partes da África, negociada no Porto de Aracaju para os canaviais e engenhos de açúcar, para fazendas de gado, serviços domésticos, em Sergipe, ou para as minas de salitre, de ouro e prata, principalmente em Jacobina, na Bahia, e em Minas Gerais. Laranjeiras é um pedaço da África em Sergipe, pela variedade de tipos, de língua, de manifestação cultural e religiosa, e ainda hoje guarda memórias lúdicas, atestando um parentesco próximo, como também ocorre em Japaratuba, onde durante a Festa de Reis, todos os anos, são coroados Rei e Rainha negros do Cacumbi, numa das mais antigas cerimônias do Brasil, documentada pela Esquadra Francesa que aportou no Recife, em 1611. Japaratuba, que no século XIX tinha mais negros que brancos, mais escravos que população livre, integrava o vale fértil das terras produtoras de açúcar. Há, ainda, em Sergipe alguns pontos de concentração negra, como Riachão do Dantas, onde ainda hoje povoados como Palmares, Samba, Forras, indicam áreas de esconderijo antigo. Foi no Riachão que negros e mestiços organizaram a santidade “Céu das Carnaíbas”, local onde cada pessoa tomava nome de santo, dividia os bens e vivia em comunhão completa, até que a força policial invadiu o local e prendeu o grupo de homens e mulheres. O livro tem um título, portanto, que se aplica perfeitamente em Sergipe. É possível repetir, então, que A África está em nós, na nossa terra, nos nossos costumes, na nossa religiosidade, no nosso folclore, no nosso modo de ser e de viver. Roberto Benjamim, com uma bibliografia consagrada nos campos do folclore e da comunicação dá, com seu novo livro, uma nova e definitiva contribuição, ajudando a construir entre os afro – brasileiros uma auto estima que tem faltado no curso do tempo. A África está em nós é uma nova e excelente referência que o Brasil passa a registrar, na sua bibliografia, para recompor sua história e retocar sua cultura. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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