LUNÁRIO PERPÉTUO

O Lunário Perpétuo é uma espécie de Almanaque, que circula desde Portugal há pelo menos três ou quatro séculos. Seu autor, Jerônimo Cortês, se tornou um dos mais populares autores no Brasil, ao lado de Trancoso e de outros cujos textos foram, por muito tempo, as referências do povo. Em Sergipe, por exemplo, sabe-se que a Família Silveira possuiu um exemplar do Lunário, datada de 1767. O livro, que a Lello continua reeditando continuamente, em Portugal, ensina coisas simples, trata de fatos mais antigos, como passaram a fazer os Almanaques, que ganharam patrocínio e receberam colaboração literária, como obra coletiva, atualizados ano a ano. Os Almanaques eram comuns no Brasil, editados pelos laboratórios farmacêuticos e distribuídos com o povo, como folhinha especial que anotava os santos do dia, as efemérides, as fases da lua, o tempo certo de plantio, remédios caseiros, conselhos úteis e tantas outras coisas. Havia uma grande variedade de Almanaques em circulação em todo o País, estimulando a que os Estados também editassem esses tipos de livros populares. Nas primeiras décadas do século XX eram editados os Almanak de Sergipe, dirigidos, dentre outros, pelo professor Clodomir Silva. Eles cederam lugar, mais tarde, a outras publicações periódicas, como o Cadastro de Sergipe, de responsabilidade de Armando Barreto. O múltiplo artista pernambucano Antonio Nóbrega tomou por empréstimo o título Lunário Perpétuo para montar o seu mais novo e completo espetáculo, no qual toca, canta, representa e dança, dando mostras do seu compromisso com a cultura brasileira, na essência lúdica que encanta, sempre, as platéias do País. O artista fez do seu espetáculo um DVD, enriquecendo a apresentação com imagens, cortes temporais, colagens e outras técnicas do teatro e do cinema, que a tecnologia permite reunir, para deleite dos assistentes. Antonio Carlos Nóbrega é, sem favor, o maior e mais completo artista do Brasil. Antes dele Luiz Gonzaga pareceu ser uma unanimidade, que viajava por todos os rincões brasileiros e mantinha uma comunicação fácil com os públicos. Parte da sua carreira, Luiz Gonzaga fez nas praças públicas, nos campos de futebol, cantando para o povo, sem cobrar ingressos. O Lua era patrocinado por empresas como as Pilhas Everedy, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, e outras, algumas das quais distribuíam, nos espetáculos do Rei do Baião os seus Almanaques. Esse tipo de empatia e de intimidade entre o artista e o povo fez de Luiz Gonzaga, por mais de 50 anos, artista genuíno dos brasileiros, nordestinizando os grandes centros urbanos, com seus ritmos e cantigas. Nóbrega tem formação diversa da de Luiz Gonzaga, estudou música, aprendeu instrumentos, formou ao lado de outros no Quinteto Armorial, sob orientação estética de Ariano Suassuna, mas com certeza recebeu influência de Luiz Gonzaga e de artistas populares, das feiras nordestinas, para construir suas criações, espetáculos e o personagem Tonheta, síntese dos artistas que trocaram os nomes pelos vulgos, como os palhaços, os Mateus dos grupos folclóricos com suas máscaras. Antonio Nóbrega tem, hoje, público fiel disposto a aplaudir o seu trabalho, tanto nas partes que revelam o instrumentista, o cantor, o autor, o ator, o dançarino, como no conjunto que harmoniza a capacidade criadora, levando o artista a trafegar pelo universo dos repertórios populares, com seus emblemas, símbolos que desafiam o tempo, numa ponte com mundos longínquos e do passado, que estão na base da formação cultural dos brasileiros. A relação cultural do Nordeste com a Europa da Idade Média transborda em traços que estão entranhados no fazer cultural do povo, e que Antonio Nóbrega sabe, como poucos, recolher, recriar e colocar novamente em circulação, para uma nova vigência. As várias montagens feitas por Antonio Nóbrega, produzidas pela sua própria instrumentalização – Brincante – e risco, atestam uma contribuição rigorosamente nova e inovadora, que contrasta com a mesmice das repetições de produtos culturais de segunda linha. Nóbrega acabou com a “departamentalização” das apresentações artísticas, com as impostações, produzidas debaixo de um modelo copiado. Sua arte flui e dentro dela, como uma ave voa no efeito da sua cor, ele é a cena, com todos os sentidos, sensações, valores de uma cultura a ser ainda completamente descoberta. Antes sozinho, depois acompanhado por Rosane Almeida, sua parceira e mulher, hoje contando com um grupo de instrumentistas, que ajudam a profissionalizar os espetáculos, sem perda da identidade que o artista cria para distribuir com seu público. Figural, Na Pancada do Ganzá, Madeira que Cupim não Rói, dentre outros, são espetáculos singulares, marcantes, que fincam na arte brasileira bases sólidas para uma linguagem substantivamente nova. Nóbrega é uma escola, como Lunário Perpétuo, o espetáculo, é uma lição de brasilidade, de diversidade cultural, de talento, musicalidade, e tudo o mais que a arte exige para ser uma representação social, situada a datada, como um registro. Em DVD aumenta a possibilidade do artista ser visto, revisto, para receber a crítica consagradora e os reparos que possam ajudar na consolidação do seu trabalho. O encanto, o feitiço, a atração, o envolvimento, tudo conspira para que haja um laço cada vez mais forte entre o artista, sua obra, e seus públicos. O espetáculo Lunário Perpétuo é a Nau Catarineta, o Romance, o frevo, o chorinho, o Tonheta, um almanaque enfim de representações simbólicas, tratadas a pautas e ritmos, como a embalar todos os sentimentos. Diante do artista o aplauso é pouco, é preciso fixar, para hoje e para a posteridade, o que a arte permite que um artista autêntico faça, produza, mostre, como se estive olhando nos olhos, balbuciando em todos os ouvidos, ensinando a amar a terra e o que dela procede, enfeitado de genialidade. Antonio Nóbrega, que dançou com o Samba de Parelha da Mussuca, mostrando como é seu processo de recriação, é mais um grande artista que Pernambuco deu para o mundo. Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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