A FUNÇÃO DOS MEMORIAIS

O Tribunal de Justiça e a Assembléia Legislativa do Estado tomaram para si o encargo da recuperação de dois edifícios do século XIX, que funcionaram como espaços de poder, no curso da história sergipana. As atitudes exemplares dos presidentes Pascoal Nabuco e Antonio Passos, representando o Judiciário e o Legislativo, merecem todos os destaques e elogios, porque são singulares e valem mais intenções e decretos protetores, que desde 1937 tombam e “tombam” o patrimônio artístico e cultural do Brasil.

 

A política governamental de proteção aos bens históricos privilegiou, nos últimos 67 anos, os conventos, templos, casas senhoriais das fazendas de gado, dos engenhos de açúcar, das fazendas de café, os sobrados e outros monumentos que, juntamente com as peças de ouro e prata, as alfaias, o mobiliário das casas, parte dele importado, os equipamentos de montaria, os arreios, principalmente quando de prata e de origem senhorial, e mais algumas coisas. O mais ficou de fora, a começar pelas senzalas, pelas vilas operárias, pelas casas toscas de varas e de paredes feitas a sopapo, cobertas de palha, passando por tudo o que é do povo, incluindo as vestimentas do vaqueiro, couraça para enfrentar a vegetação quando na busca de reses desgarradas.

 

Quando se fala em patrimônio histórico, artístico e cultural afloram, imediatamente, São Cristóvão, Laranjeiras, um pouco de Estância, principalmente a avenida Capitão Salomão, com seus sobrados de fachadas azulejadas, pouquíssimo de Lagarto e de Propriá, quase nada das outras cidades sergipanas. Aracaju, que desde 1855 é cidade e capital, e que detém uma arquitetura eclética muito harmoniosa, não tem merecido as mesmas atenções que São Cristóvão e Laranjeiras. Vem aí o ‘Monumenta’, esforço de reforma, que ao que parece passará ao largo da capital, ainda que no próximo ano haja a festa dos 150 anos da cidade de Inácio Barbosa.

 

O prédio da Assembléia, por exemplo, é dos primeiros da nova capital e serviu até 1987 de sede do Poder Legislativo da Província, entre 1855 e 1889, e do Estado, de 1989 a 1987. Seus salões abrigaram várias repartições públicas, inclusive o Tribunal de Relação, por ela criado, no bojo da Constituição de 18 de maio de 1892. Trata-se de um prédio de dois pavimentos, dotado de mezanino, onde ficavam as galerias que reuniam os assistentes das sessões, muitas vezes reformado, de forma a ser preservado internamente e modificado externamente, seguindo as reformas feitas no prédio do Palácio Olímpio Campos, que fica na mesma praça.

 

Recebendo o nome de Palácio Fausto Cardoso, homenagem prestada ao mártir da revolução de agosto de 1906, o prédio da Assembléia foi restaurado, agora, para abrigar a Escola do Legislativo Deputado João de Seixas Dória, e o Memorial do Poder Legislativo, que leva o nome da deputada Quintina Diniz. O fato, já por si só merecedor de todos os aplausos, da reforma do prédio foi enriquecido com dois equipamentos essenciais e duas homenagens extraordinárias. A Escola do Poder Legislativo tem a função pedagógica de orientar, através de cursos, seminários, debates, a classe política e administrativa do Estado, incorporando entre eles os servidores públicos. O Memorial do Poder Legislativo, com sua exposição que conta a história de 170 anos da Assembléia, e com o reforço da biblioteca e do arquivo também instalados no prédio, vai estar encarregado de levantar fatos, nomes e datas que circularam na construção cotidiana da vida social.

 

As homenagens são capítulo especial, pois reúnem dois ilustres sergipanos. Seixas Dória, um dos maiores, talvez mesmo o maior tribuno que Sergipe já ouviu falar, destacado parlamentar nas duas primeiras Assembléias, depois da redemocratização de 1945, duas vezes deputado federal, brilhante e aplaudido defensor das teses nacionalistas e da riqueza nacional, governador do Estado, integrado na luta pelas reformas de base e por isto deposto e preso, com direitos políticos suspensos por 10 anos, até voltar à Câmara Federal, para encerrar uma carreira singular de político. Quintina Diniz, professora, diretora do afamado Colégio Nossa Senhora Santana, líder feminista, foi a primeira mulher eleita para a Assembléia de Sergipe, cumprindo função Constituinte, em 1935.

 

O prédio do Tribunal de Relação foi iniciado pelo presidente José Calasans, ainda em 1892, sendo inaugurado pelo presidente Oliveira Valadão. Vistoso, com um subsolo, um pavimento térreo de duas grandes salas, e um pavimento no 1º andar, também com duas grandes salas. Ali o Poder Judiciário funcionou por 35 anos seguidos, até mudar-se para o prédio que o presidente Manoel Dantas concluiu, na mesma praça Olímpio Campos, que antes era destinado a ser o Grupo Escolar General Siqueira, cuja primeira construção foi dada para servir de Quartel da Polícia, à rua de Itabaiana.

 

Reformado amplamente, o prédio agora tem nome: Palácio Silvio Romero, homenagem igualmente significativa, que dispensa justificação. Seu Memorial, com uma Exposição que ocupa todas as salas, inclusive as do rés-do-chão, conta a história de 112 anos do Poder Judiciário e com seu funcionamento terá a oportunidade de reunir documentos, formatar uma base de dados, oferecendo aos pesquisadores, estudantes e interessados, através dos modernos meios de consulta: DVD, CD, e outros suportes, que formarão  um Centro de Pesquisas, todas as possibilidades de consulta.

 

O desembargador Pascoal Nabuco apresentou o prédio reformado e o Memorial aos desembargadores do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil e colheu a impressão positiva dos visitantes, alguns dos quais prometendo transformar o Memorial do Poder Judiciário do Estado de Sergipe num modelo nos seus Estados. No dia 20 de dezembro o Memorial e com ele a reforma do prédio serão entregues ao uso público, como já ocorreu, no último dia 13, com o Memorial do Poder Legislativo. Aracaju ganha um múltiplo presente, materializado nas reformas dos dois prédios do século XIX, na Escola do Legislativo, e nos Memoriais dos dois poderes. Os Memoriais, que não museus, mas reúnem materiais de interesse museal, que não é arquivo, mas expõe documentos, que não é biblioteca, mas trabalha com livros, são equipamentos múltiplos, capazes de atender, de forma ampla, a quem quer aprender com a história, que é a ciência dos homens.

 

Permitida a reprodução desde que citada a fonte “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / InfoNet”. Contatos, dúvidas ou sugestões de temas: institutotobiasbarreto@infonet.com.br.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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