Uma praça e sua visibilidade

Praça São Francisco
No desenho das cidades brasileiras as praças são os jardins e ao mesmo tempo as referências religiosas e de Poder. É geralmente a partir delas, como dos oragos, ou padroeiros, que o restante das cidades levantam suas paredes e dão simetrias às demais construções. Sergipe guarda fidelidade a esse modelo de construção e ainda capricha, como pode, para ecletizar sua arquitetura, harmonizando os estilos, de modo a que a aparência seja igual, mas as diferenças sejam vistas por todos.


Os sobrados de Própria, as casas azulejadas de Estância, as ruas sinuosas com seu casario de dois andares de Laranjeiras, são exemplos que não desmerecem as demais localidades sergipanas, cada uma com sua graça. São Cristóvão integra esse mosaico mas acumula, em seu favor, características que vão além da paisagem e do agenciamento que ela permite ter. São Cristóvão é, então, mais que uma cidade, é um acervo de multiplicidades estéticas, com forte conotação religiosa, vinculada ao velho confronto de cristãos e mouros, aflorado nos fins do século XVI e lentamente fluentes nos séculos seguintes.


São Cristóvão carrega uma tríplice realidade: é nome de um santo do século III, sendo, modernamente, patrono dos viajantes motorizados e das crianças nos seus triciclos. E seu nome foi evocado por duas autoridades, Cristóvão de Barros, governador interino, conquistador de Sergipe em 1º de janeiro de 1590, e Dom Cristóvão de Moura, Duque de Lerma, Marquez de Castelo Rodrigues e Vice Rei, conhecido como “demônio do meio dia.” Assim, de logo, o patrono da cidade não era o santo, como não era o bravo conquistador, célebre pelo número de indígenas que matou e que cativou. Era, isto sim,  homenagem ao fidalgo, agente da Espanha.


Na seqüência, foi evocada, como padroeira e Freguesia, Nossa Senhora da Vitória, e São Cristóvão revivia, nas parcas terras de Sergipe, a luta de Lepanto, contra turcos e sarracenos, em 1571. O capítulo da guerra da conquista, da nomeação de São Cristóvão, que nasce com fóruns de cidade, santificando o vice rei, e a invocação de Nossa Senhora da Vitória são fatos singulares que acompanham a história da velha cidade e capital de Sergipe, que já foi del Rey.


Enquanto o casario do Largo de São Francisco e das demais praças testemunham, na sobrevivência possível, os traços evolutivos da arquitetura, os aspectos políticos e ideológicos permaneceram envoltos no desconhecimento, como uma fatalidade histórica. Aliás, a Espanha e o período que ela dominou Portugal, são reduzidamente estudados, embora o testemunho cultural dos repertórios marquem, firmemente, os tempos de disputa européia, projetada nas terras da santa cruz. Atravessando o tempo, a cultura sancristovense guardou compromisso com o devocionário popular, como registrou no seu Anuário Serafim de Santiago, que viveu nas últimas décadas do século XIX e décadas iniciais do século XX.


O Largo do São Francisco acomodou-se ao crescimento lento da cidade e passou a representar um retrato perfeito na paisagem elevada da velha capital, como a fitar os caminhos, temente de novas investidas dos inimigos do passado, mas protegido pelo Cristo de pedra e cal. A cidade virou monumento estadual, em 1938, recebeu elogios nacionais pela integridade do seu patrimônio e agora foi identificada e reconhecida como patrimônio da humanidade, o que não é pouca coisa. A trajetória de São Cristóvão guarda coerência com sua história cultural singular, desde a guerra da conquista e a adoção das influências espanholas no cotidiano de sua resistência e sobrevivência. Agora elevada a uma categoria universal, identificada como uma paisagem alinhada a uma história incomum, São Cristóvão atende a chamada do mundo, para levar a face do seu povo, e doravante não mais será ignorada.


A conquista do título da UNESCO, a vitória da cidade guardada por tanto tempo na resistência dos seus habitantes, tem créditos a registrar, desde que a primeira idéia tocou a responsabilidade dos governantes, até agora, quando a análise dos técnicos aprovaram o velho sítio histórico como patrimônio da humanidade. Uma pessoa, com seu ofício, se fez artífice da honrosa decisão. O nome do professor Luiz Alberto dos Santos, que responde pela Subscretaria do Patrimônio, é referencial, como líder, condutor, gestor das providências que levaram o processo, junto a UNESCO, a ser vitorioso, em nome do Governo do Estado.


Talvez Sergipe não tenha, ainda, acordado do sonho de ter sua mais velha cidade tida como patrimônio da humanidade. A visibilidade do fato ainda não clareou as mentes dos sergipanos, de todos os lugares. Tem faltado celebrações, festas, que estejam a altura dos fatos. Não se trata de botar bandas baianas ou outras, mas de buscar aqui mesmo no Estado os modos de festejar o feito, com as cantigas e coreografias do povo, para que a praça continue, como ensinou o poeta baiano, do povo, como o céu é do condor.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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