A Guerra e o Amor no Mar de Sergipe

                                                                              Luiz Antonio Barreto
              

Navio Baependy (Divulgação)

Atordoado com a desagradável surpresa do torpedeamento, enfrentando um quadro terrível de dor e morte, o Capitão Lauro Reis deixou, para as novas gerações, um testemunho emocionado, diante do desespero de crianças, mulheres e homens tragados pelas águas do mar, juntamente com o BAEPENDY. Eis a continuação do relato:
“Estou agora junto de uma grande tábua branca, com abertura que parecem janelas: consigo com facilidades deitar-me nela, de bruços, e me sinto mais bem acomodado. Pelo Menos descanso um pouco. Mas me agarro com todas as forças, para que as ondas não me arranquem dali.

Perto de mim, alguém grita em desespero, já quase a perder o fôlego:
-Não posso mais, vou desistir…
Animo o companheiro, chamando-o para junto de mim, e isso me dá mais ânimo. Ele se aproximou, e com algum esforço se agarra à minha tábua: vem ofegante, exausto. Trocamos algumas. É um tripulante do BAEPENDY.
As ondas violentas e o forte vento começam a espalhar náufragos e destroços; os gritos diversos de socorro chegam cada vez mais longe. Somos também impelidos para longe do local do sinistro, arrastados naquela tábua, em rumo desconhecido.

Conjugando nossos esforços, examinamos o mar em todas as direções. Nada! Provavelmente nenhuma baleeira pôde ser lançada ao mar. Nossa salvação é provisória, sem dúvida… E ficamos vagando ao sabor das ondas por um tempo difícil de estimar: talvez meia hora, uma hora.

Ouvem-se agora menos gritos de socorro; a maioria sucumbiu desesperada!
Mas repentinamente divisamos uma silhueta que não é de um destroço, passando defronte das bóias de iluminação, já bem longe. Parece-nos uma baleeira… Dentro, um vulto, de pé… Não resta dúvida, é uma baleeira! Mas está muito distante. Para alcançá-la, teríamos que nadar contra o vento e as ondas, e, cansados como estamos, isso não nos parece empresa fácil.

Começamos então a gritar, com todas as forças dos nossos pulmões. Grito, grito! nLembro-me de gritar meu nome, e o faço algumas vezes. Lembrança talvez salvadora: ouvimos, pouco depois, uma resposta que nos pareceu “espera”… Graças a Deus, tinham-nos ouvido, e remam em nossa direção!

Foi o primeiro alento, a primeira sensação de poder sair com vida daquela pavorosa catástrofe.
A baleeira se aproxima. Abandonando a benfazeja tábua, damos umas braçadas, lançam-nos uma bóia presa a uma corda, e somos içados para bordo, onde encontro dois tenentes, dois sargentos e três soldados, da minha unidade. Abraçamo-nos comovidos, mas poucas palavras trocamos. Pensamos na sorte dos outros camaradas, e não nos conformamos com a idéia de que somos os únicos sobreviventes.

É talvez esta a única baleeira que escapou do desastre, arrancada dos turcos pela violência da explosão.
Recolhidos mais alguns náufragos, somos ao todo vinte e oito. Entre eles, há uma moça que, mal explodiu o torpedo, se lançou resolutamente ao mar, nadando, agarrada a um pequeno destroço, durante mais de uma hora!
Mas em que direção ficará a costa? Não podemos orientar-nos com segurança, pois mal se vêem as estrelas, e a escuridão impedem-nos de consultar a única búlsola, que corria de mão em mão, inutilmente.

Mas entre os náufragos está, felizmente, o piloto do BAEPENDY. Recobrando as forças, ele resolve com simplicidade o problema da navegação, mandando “ remar na direção do vento, pois o mesmo soprava para terra.”
Somente na baleeira noto que estou ferido. O sangue jorra abundantemente do meu rosto, e, levando a mão à face direita, percebo que sofri uma fratura. Mas não sinto nenhuma dor.

A pequena embarcação joga como uma casca de noz naquele mar agitado, e de vez em quando uma onda mais forte invade-a; um grande rombo da proa aumenta a nossa inquietação; é preciso baldear, continuamente, tal a quantidade de água que entra…

O vento é cortante, sentimos um frio tremendo, uma sede desoladora, e o enjôo apodera-se da maioria.
Pouco depois avistamos, não muito longe, um navio iluminado. Ficamos hesitantes: valerá a pena remar na sua direção? Alcançá-lo-emos? Desistimos na idéia, o que foi providencial, pois cerca de uma hora depois, ouvimos o eco de uma tremenda explosão, que nos pareceu um trovão longínquo: o navio que passara por nós – o ARARAQUARA, soubemos depois – fora também torpedeado” (Continua).

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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