Janaina Cardoso de Mello
Doutora em História Social (UFRJ)
Professora DHI-UFS e ProfHistória/UFS
Vice-líder do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
O assassinato de George Floyd, em 25 de maio, em Minneapólis (EUA), pelo policial branco Derek Chauvin, fez eclodir protestos antirracistas em vários países. As marchas contra a violência do Estado acompanham a derrubada de homenagens, em espaços públicos, aos escravocratas do passado.
Nos EUA, a estátua do Presidente da Confederação, Jefferson Davis, em Richmond, Virgínia, foi lançada no lago. Em Boston, Massachusetts, a estátua de Colombo, do Parque Byrd, foi decapitada em razão dos danos aos povos indígenas. Na Inglaterra, em Bistol, a estátua do traficante de escravos Edward Colston também foi atirada ao rio. Em Portugal, a estátua do Padre António Vieira, no Largo Trindade Coelho, em Lisboa, teve a palavra “descolonização” pintada a vermelho.
Estudiosos do patrimônio cultural de longa data como Cristina Meneguello (Unicamp) sabem o quanto a história é dinâmica, sujeita a rupturas, mudanças, sendo fundamental a reflexão crítica das memórias em sua salvaguarda e formação identitária, principalmente através do Ensino de História e Educação Patrimonial.
No Brasil, uma lista de “monumentos para demolição” circula nas redes sociais incluindo a estátua de Borba Gato e o Monumento aos Bandeirantes, ambos em São Paulo. Ainda nas redes, historiadores expressam apoio à destruição. Migram de “textos no Facebook” para veículos de imprensa nacionais e internacionais.
Destes, 90% jamais pesquisou ou publicou sobre temas do patrimônio cultural e deles, 80% são homens e brancos. O Currículo Lattes (CNPq) dos perfis revela um “senso de oportunidade” midiática, uma vez que a narrativa deste momento deveria ser assumida por intelectuais negros e estudiosos do tema e não, mais uma vez, se concentrar na escrita de historiadores brancos.
A filósofa Djamila Ribeiro (2017), com o conceito de “lugar de fala”, criticou uma história desumanizadora da população negra, principalmente da mulher negra. O racismo como protagonista do cenário social, não a deixou ser ouvida, nem suas biografias e bibliografias serem vistas.
Ocupar as mídias é importante, todavia, indicar um historiador negro e/ou pesquisador do patrimônio cultural para o foco de luz reflete um “senso de honestidade acadêmica” do qual não podemos nos furtar se queremos uma transformação na escrita da história negra e dos monumentos urbanos patrimonializados.
Os veículos de imprensa são monopolizados por grupos sociais brancos. Apoiar a mudança social antirracista é também afirmar uma necessária mudança estética para que vozes negras ressoem em jornais, rádios e TVs, sem o espólio de “porta-vozes” brancos.
Leiamos Aline Montenegro (MHN/UniRio), Ana Flávia Magalhães (UnB), Lucilene Reginaldo (Unicamp), Giovana Xavier (UFRJ), Luciana Brito (UFRB), Pâmella Passos (IFRJ), Suzane Jardim (UFABC) e outros intelectuais em uma narrativa histórica da comunidade negra, escrita na vivência, segundo Chimamanda Adiche (2019).
Uma derrubada de estátuas que não acompanhe mudanças de posturas, promoção à Educação antirracista e representatividade negra nos espaços intelectuais, profissionais, socioeconômicos, políticos e culturais/midiáticos de importância, como apontou Joice Berth (2019) sobre “empoderamento negro”, será somente discurso, nada mais.