The Present: um olhar para a Palestina que vai além da guerra

Katty Cristina Lima Sá

Mestre em História Comparada pela UFRJ

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

E-mail: katty@getempo.org

Cartaz de The Present. Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-291102/. Acesso em 17 de maio de 2021.

A fotografia noturna do Domo de Ferro de Israel interceptando foguetes lançados pelo Hamas, divulgada em 15 de maio de 2021, evidenciou a dimensão do conflito entre o exército israelense e grupos militantes palestinos. Tal confronto, cujo estopim foi o anúncio da remoção de palestinos do bairro Sheik Jarrah em Jerusalém Oriental, faz parte da série de disputas e agressões vivenciadas pelos árabes da região desde a Nakba (“Catástrofe”), ocorrida setenta e três anos antes da imagem do Domo de Ferro circular o mundo, em 15 de maio de 1948.

Para a comunidade palestina, a Nakba é a lembrança dos deslocamentos forçados de 750 mil dos seus; da destruição de 500 vilas após a criação do Estado de Israel. Ela representa a ruptura com a vida anterior a 1948, o trauma, a negação do direito de autodeterminação e a persistência do status de refugiado. Aos que permaneceram nas regiões de Gaza e na Cisjordânia, a Nakba marca também a presença constante e o controle do exército judaico sobre suas vidas, determinando até mesmo o direito de ir e vir. Com isso, a realização de tarefas como fazer compras ou ir para o trabalho – algo tão simples e costumeiro para alguns – pode gerar grande tensão, desgaste e humilhação.

Todos os dias, milhares de palestinos atravessam os checkpoints israelenses para entrar em Israel e chegar aos seus locais de trabalho, ou apenas realizar outra atividade cotidiana. No Checkpoint 300, por exemplo, passam em média 15 mil trabalhadores palestinos por dia; os relatos de superlotação, da falta de saneamento e da humilhação são corriqueiros. As situações que ocorrem nesses postos de controle e o tratamento dispensado aos que passam por eles pelos soldados israelenses são o tema de The Present (2020), curta-metragem escrito e dirigido pela cineasta Farah Nabulsi.

Nessa película, acompanhamos a breve excursão de Yousif (Saleh Bakri) de Belém a Jerusalém Oriental para comprar o presente de aniversário de sua esposa. Entretanto, para realizar essa atividade, ele precisa atravessar o Checkpoint 300. Yousif realiza tal viagem acompanhado de sua filha, a pequena Yasmine (Mariam Kanj), cuja interpretação sobre os eventos que acontecem com ela e seu pai conduz, de forma sutil, a narrativa. A menina observa e compreende que, enquanto palestina, ela é o “outro” do israelense; como seu pai faz, é necessário agir com cautela e calma frente ao soldado judeu, na expectativa de que os trate de forma similar.

A tensão que envolve os protagonistas atinge os espectadores. As cenas estáticas, os olhares profundos e as respirações pausadas nos fazem crer que pai e filha serão atacados a qualquer momento. Ainda assim, somos envolvidos pelos atos de descontração das personagens e pela sensação de que eles só podem contar uns com o outro. Em vários momentos, Yousif conversa e faz brincadeiras com a filha para que ela se sinta segura e se divirta em sua breve aventura. No momento da volta, contudo, há um clímax de apreensão e, novamente, Yasmine observa e reage, só que dessa vez com um ato de resistência. A criança afirma sua alteridade em uma ação que ordena por igualdade, encerrando o curta.

Assim, com sutileza e de forma cativante, The Present apresenta a situação da Palestina e suas relações com Israel por uma ótica que foge do enredo da guerra, das ações políticas e militares dos grupos envolvidos, com foco para os seres humanos envolvidos. Adentramos, ainda que brevemente, no cotidiano de uma população que há décadas vive como estrangeira em sua própria terra. Com isso, desenvolvemos empatia e colocamo-nos no lugar Yosif e Yasmine numa tentativa de serem felizes em meio a tanta violência e intolerância.

Para saber mais:

THE PRESENT. Direção: Farah Nabulsi. Drama. Palestina, 2020, 25 min.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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