Andrey Augusto Ribeiro dos Santos
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Pesquisa de Política Internacional (GPPI/UFRJ) e do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
Na noite de 05 de setembro de 1972, um grupo fortemente armado invadiu a Vila Olímpica, em Munique. Eles pertenciam ao Setembro Negro, grupo ligado a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que à época havia aderido ao terrorismo após mais uma vitória de Israel, dessa vez na Guerra dos Seis Dias (1967). A delegação israelense era o seu alvo e foi feita de refém, o que provocou uma operação que durou cerca de 20 horas e ficou marcada por falhas das forças de segurança alemãs e pela tragédia.
Os terroristas queriam a libertação de mais de 200 pessoas presas em Israel, o que foi negado pelo governo liderado por Golda Meir, já que incentivaria novos atentados. Para a Alemanha Ocidental a situação era mais constrangedora, já que se tratava de judeus sequestrados num evento que ocorria na antiga sede do partido nazista. Tentativas de invasão foram frustradas devido a cobertura da mídia sobre o evento, que permitiu que os terroristas acompanhassem os movimentos da polícia pela TV, enquanto os negociadores chegaram a oferecer enormes valores financeiros e até a troca dos cativos por autoridades alemãs, no entanto, todas as ofertas foram recusadas.
Ao fim, foi combinado que os terroristas poderiam fugir com os reféns num avião para o Cairo, o que na verdade se tratava de uma armadilha para tentar neutralizar o grupo no aeroporto. No entanto, os policiais alemães, despreparados, foram surpreendidos com uma quantidade de terroristas maior do que esperavam e ao agir sem consultar o comando central entraram num confronto no qual morreram todos os reféns, cinco terroristas e um policial alemão. Os três integrantes do Setembro Negro que foram presos acabaram sendo libertados dois meses depois, numa negociação após o sequestro de um avião alemão da Lufthansa, em Beirute.
A partir disso teve início um novo período para as Olímpiadas e outros grandes eventos esportivos, no qual a celebração do esporte se uniu à extrema preocupação com a segurança. Esse ocorrido evidenciou como eventos do tipo constituem o cenário ideal para grupos terroristas, já que reúnem milhares de pessoas e atraem atenção mundial. Nesse sentido é necessário lembrar que o atentado em si é apenas uma etapa da ação terrorista. Essa tem início com atividades de planejamento, recrutamento e treinamento, passa pelo atentado, mas busca principalmente publicidade, através da qual dissemina sua mensagem e tenta atrair mais apoiadores.
Levando isso em conta, as Olímpiadas de Munique constituíam o cenário ideal para grupos terroristas palestinos chamarem a atenção para a sua causa. A década de 1970 trouxe um alto nível de tensão entre Palestina e Israel, o que resultou na ocorrência de uma série de atentados contra alvos israelitas na qual esse foi o maior. Aliado a isso, a Alemanha Ocidental pensou esse evento de maneira grandiosa, buscando se afirmar e superar a edição de 1936, última ocorrida no país e utilizada pelos nazistas como autopromoção. Para isso tentou promover um clima de paz e amizade, no qual a segurança foi flexibilizada, o que facilitou a ação dos terroristas. Para termos uma ideia, os atletas podiam circular livremente sem identificações e os seguranças portavam apenas rádios, megafones e lanternas, cenário impossível de se imaginar para um evento de tal magnitude atualmente.
Para além disso, o ocorrido também despertou uma discussão relativa a responsabilidade dos meios de comunicação em relação a cobertura ao vivo de atentados terroristas. O ponto é que esse tipo de reportagem contribui para o agravamento da sensação de insegurança e vulnerabilidade no público, o que fortalece a mensagem dos terroristas e amplia sua motivação. Também soma-se a esse quadro a possibilidade do comprometimento de ações antiterrorismo, lembrando como as tentativas de invasão feitas pela polícia alemã falharam porque os terroristas acompanhavam a cobertura jornalística sobre a situação.
Ao fim, o atentado das Olímpiadas de Munique serviu para a revisão de diversos protocolos de segurança relacionados a grandes eventos, aos quais foram adicionadas doses muito maiores de vigilância e cuidado. Essas foram especialmente sentidas no Brasil anos depois, quando o país sediou a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, ocasião na qual as pressões pelo estabelecimento de uma lei antiterrorismo brasileira finalmente alcançaram sucesso. No mais, em ano de Olímpiadas, com um mundo mergulhado novamente em um contexto de confrontos e hostilidades, relembrar esse episódio serve para compreender as dinâmicas que podem acabar ligando política internacional e o mundo dos esportes.