65 assassinados em janeiro

Dizem que a dor mais difícil de superar é a da mãe quando perde o filho. E quando o filho é assassinado na presença da mãe? Essa é a dor que neste momento sente a professora Maria José Santos de Melo, 46 anos, moradora do bairro Japãozinho, que teve o filho morto a tiros, quase na porta de casa e sem que pudesse fazer nada, na noite da última quarta-feira.

O ajudante de pedreiro Victor Lisânio Santos de Melo, 21, foi morto quando tentavam roubar sua moto. “Ele gritava: ‘Mainha, me ajude, eles querem levar minha moto’. Eu ainda pedi para eles não atirarem, mas eles atiraram e ainda apontaram a arma contra mim”, contou ela à reportagem do Portal Infonet. “Mataram meu filho na minha frente. Eu quero sair daqui”, desabafou a professora, que há pouco mais de dois meses viu o filho mais novo ser vítima de assalto, quando também teve roubada uma moto.

No último mês de janeiro, Sergipe registrou impressionantes 65 assassinatos — média superior a dois por dia. O número não é oficial, foi pinçado dos registros jornalísticos do próprio Portal Infonet, e revela que 55 dos homicídios ocorridos no primeiro mês de 2014 foram perpetrados com armas de fogo. Revólveres ou pistolas, comumente. Quatro foram por armas brancas e dois por linchamentos. Outros quatro não tiveram causa determinada.

Naquele mês, houve registro de crimes nos quatro cantos do estado, mais precisamente em 28 municípios, sendo que a maior incidência de mortes "matadas" aconteceu na capital, nos municípios da Grande Aracaju e nas maiores cidades do interior. Somente em Aracaju foram 15 assassinatos, considerável média de uma morte a cada dois dias. Em Nossa Senhora do Socorro, segundo município mais populoso, foram 7 mortes, em Itabaiana foram 5, e houve 3 assassinatos em São Cristóvão, Lagarto e Laranjeiras.

HÁ MUITO SERGIPE DEIXOU DE SER UM LUGAR CONSIDERADO PACATO. Mesmo que estejamos aquém do índice de violência registrado nos estados vizinhos, hoje integramos a lista dos dez mais violentos. Sergipe aparecia em 2011 com 739 mortes e uma taxa de 35,4 homicídios por 100 mil habitantes, crescimento de 20,8% em relação a 2001. Taxa alta, equivalente à da Colômbia. mas se for mantida a média de assassinatos de janeiro deste ano vamos fechar 2014 com 780 mortes, elevando a taxa de homicídios para 39/100 mil.

De 2001 a 2011, o crime na Bahia cresceu 223,6% (taxa de 38,7 mortes por 100 mil) e Alagoas manteve-se em 2011 com a maior taxa nacional de homicídios, 72,2 por 100 mil habitantes (crescimento de 146,5%). O Brasil fechou 2011 com taxa de 27,1 homicídios por 100 mil, redução de 2,4% em relação a 2001. Mas o suficiente para nos colocar entre os países mais violentos. Os dados são confiáveis, do Mapa da Violência 2013.

Dois terços dessas mortes estão relacionadas ao uso de armas de fogo, o que transforma a questão numa situação de guerra. Para exemplificar, em Sergipe, no ano de 2010, houve 690 homicídios, sendo que 476 foram por disparos de armas de fogo — 55% a mais do que dez anos antes. Em 2011 houve 52.198 homicídios no considerado pacífico Brasil. Em comparação, no conflito atual mais sangrento, da Síria, registrou-se 73 mil mortos em 2013.

MAS POR QUE A VIDA DAS PESSOAS MELHORA E A VIOLÊNCIA NÃO DIMINUI? Pelo contrário, na primeira década deste século, quando estados das regiões Norte e Nordeste registraram aumento na renda per capita acima da média nacional, ocorreu o indesejado efeito do crescimento das mortes violentas. A causa dessa aparente contradição é que as mudanças sociais e econômicas atraíram o crime, principalmente o relacionado ao tráfico de drogas, e não foram acompanhadas pela estruturação e qualificação da segurança pública.

No período de 2001 a 2011, os oito estados que mais registraram aumento na taxa de mortes violentas são do Norte e do Nordeste — Bahia, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas —, e, com exceção do último, todos tiveram crescimento da renda per capita acima da média nacional. Na outra ponta, só oito unidades da Federação viram suas taxas de violência diminuir: Pernambuco, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Desse grupo, somente metade teve crescimento da renda acima da média nacional.

Especialistas em segurança pública consideram inusitado que a renda melhor não tenha sido acompanhada de menos mortes violentas, principalmente na análise do Nordeste, a região que mais se beneficiou da redução da pobreza. É que os estados que foram beneficiados por mais investimentos econômicos e por programas de renda, como Bolsa Família, se descuidaram de uma criminalidade que hoje é crônica — hoje a cocaína é uma droga fácil até nos rincões do Nordeste — e não estruturaram o sistema de segurança. Colhe-se agora os resultados negativos dessa desestruturação.

No Rio de Janeiro, o ex-patinho feio da segurança pública, a situação melhorou e os índices de mortes por homicídio tem caído ano a ano, quando se analisa a série histórica desde 2001. O estado já ocupava a 17ª posição em 2011 no índice de mortes por homicídio, atrás da maioria dos estados do Norte e do Nordeste, inclusive Sergipe, além de Paraná e Goiás.

O segredo do sucesso: o Rio vem melhorando desde 2002, pois foram feitos investimentos nas polícias. Os resultados têm relação direta com a expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que mudaram o perfil das favelas. São Paulo também melhorou e hoje é, proporcionalmente, um dos estados menos violentos do país.

O Nordeste vai ter que começar a fazer agora o dever de casa que tem dado certo naqueles estados. O que, em resumo, nada mais é do que investir tempo e dinheiro para ter uma gestão melhor da segurança.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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