Virou rotina dentro da imprensa e das próprias redes sociais retratarem as peculiaridades da Coreia do Norte como um local dominado por um líder de capacidades duvidosas, com um povo oprimido por um regime que com mão-de-ferro controla e manipula seus cidadãos. Para além do corte de cabelo pitoresco para os padrões ocidentais do presidente Kim Jong-Um, o pequeno país surpreende ainda o mundo com seu potencial balístico e capacidade militar, sendo recorrentes ameaças aos Estados Unidos e seus aliados, além de simulações militares para a demonstração de força e poder. Ainda assim, é clara e evidente a discrepância de poder militar entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos, o que torna relevante o questionamento: por que eles inda ameaçam veementemente um inimigo o qual não conseguiriam vencer?
Dentro das disposições das peças nesse cenário, é de fulcral importância citar as variadas resoluções da ONU a favor de sanções contra o programa nuclear do pequeno país asiático. Tais sanções- fortalecidas ainda no governo Obama- recrudesceram as relações do país com o Ocidente, já em permanente atrito devido às diferenças políticas e do ranço histórico permanente adquirido após a Guerra da Coreia. A Guerra, que não acabou e apenas passar por um largo cessar-fogo, dizimou mais de 20% da população norte-coreana e forçou, politicamente, cada vez mais seu isolamento. Com as sanções frequentemente utilizadas pela ONU e promovidas pelos Estados Unidos, deixa a Coreia do Norte, já com sua debilitada economia, cada vez mais dependente da China e com crônicas crises de abastecimento.
Nesse quesito, o pequeno país do sudeste asiático vê como alternativa para as sanções e imposições das potências ocidentais e organizações de governança multilaterais a estratégia da dissuasão militar, até chegar ao ponto em que se torne notável seu poder para atingir poder de barganha nos meios de negociação. Tal estratégia baseia-se no credo de “você pode me destruir, mas ao menos perderá um braço”, forçando aos Estados Unidos a repensarem ou, pelo menos, calcularem melhor as consequências que uma intervenção militar na Coreia do Norte teria para a política e segurança internacional. A partir da suposição de tal risco e ameaça é eu as sanções podem perder certo grau de tensão, ao mesmo tempo em que o regime mantém maior folga em sua capacidade de administração.
Outros interessados dentro do mérito do conflito são duas outras potências asiáticas: Japão e China. O Japão sente-se diretamente ameaçado, seja pela curta distância que o mesmo detém da península coreana, seja pela sua baixa capacidade militar perante um bombardeio nuclear em seu território. Mesmo que haja possibilidade de resposta, os danos imediatos seriam espantosos. Já a China encontra-se em um tabuleiro mais complexo, no qual age como único grande parceiro do regime da Coreia do Norte e, ao mesmo tempo, busca o equilíbrio com os Estados Unidos. Uma guerra na península coreana, em quesito de curto prazo, atinge diretamente os interesses chineses, que buscam o avanço de sua influência por meio da expansão política, financeira e também militar, mas a um passo mais lento. Há pouco o que informar sobre a Coreia do Sul dentro dessa perspectiva, tendo em vista que militarmente é, de modo prático, uma grande base estadunidense, dependendo deste para sua salvaguarda.
E o clima durante o governo Trump de animosidade tampouco parece cessar. Na última reunião da Assembleia Geral da ONU, no dia 19 de setembro de 2017, o presidente norte-americano afirmou que, caso a Coreia do Norte ameasse ou ataque os EUA ou algum de seus aliados, o país ocidental pouca escolha terá para além de dizimar os coreanos. Ao mesmo tempo, os EUA conseguiram passar novas sanções no Conselho de Segurança, proibindo a exportação de produtos têxteis ao país. Como resposta, a Coreia do Norte promete um ataque aos Estados Unidos de uma maneira que eles nunca viram, caso as ameaças e medidas contra o país continuem.
Dentre os últimos conflitos internacionais recentes, esse de fato tem sido um que merece ganhar bastante atenção. A questão lida com dois países com bombas nucleares, com potencial alto de escalada do conflito em uma região que já produz uma instabilidade cada vez latente- vide a expansão marítima no mar do sul da China. A ebulição de um conflito de facto atrairia a repostas das outras potências nucleares regionais e dos acordos de segurança do mundo, eclodindo em uma grande instabilidade global. Portanto, a Coreia do Norte não é irracional, é apenas uma ameaça que pouco tem a perder e muito a ganhar (e a causar) com suas medidas de dissuasão agressiva. A questão que perdura é se ainda haverá espaço para diplomacia e como será dados os próximos passos.