A boa política

Marcos Cardoso*

Certa vez, perguntado se era mesmo verdade que teria declarado que ninguém consegue permanecer com raiva de Albano Franco por muito tempo, o então governador Marcelo Déda não só confirmou, como até ilustrou o que dizia com esta espirituosa comparação: “Albano é o tipo do sujeito que pisa no seu pé, você pede desculpas e ele ainda aceita”.

O maior líder local de um partido trabalhista com viés socialista, o PT, convivia pacificamente com o maior empresário local e principal liderança de um partido que naquele momento representava o grande capital nacional, o PSDB. O partido de Lula e o partido de Fernando Henrique Cardoso polarizaram a política no final do século passado e na primeira década dos anos 2000, mas nem por isso os adversários locais tratavam-se com menosprezo ou desrespeito. Pelo contrário, conviviam como homens públicos civilizados.

Marcelo Déda e Albano Franco praticaram a boa política.

Da mesma forma, Lula e FHC se engalfinharam desde que deixaram de ser aliados na luta contra o mal maior, a ditadura. Durante 30 anos pelo menos, desde 1988, quando FHC, Franco Montoro, Mário Covas e José Serra debandaram do MDB e criaram asas de tucanos, até a eleição de Bolsonaro, em 2018, o PT e o PSDB encararam-se como ferrenhos adversários.

Mas essas rusgas históricas não impediram os dois ex-presidentes de sentarem-se à mesa, quase 15 anos depois daquele gesto de Déda e Albano, para trocarem impressões sobre o momento grave que o Brasil está passando e tentarem encontrar uma solução de consenso, qual seja juntarem forças contra o risco à democracia que o atual governo representa.

O gesto mais recente e simbólico do quanto a arte da boa política ainda é possível e necessária foi expresso por três importantes gestores adversários no espectro político nacional. Os governadores do Maranhão, Flávio Dino (ex-PCdoB), e de São Paulo, João Dória (PSDB), e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), protagonizam uma “briga do bem” para ver quem vacina mais contra a covid.

Enquanto Dino promovia um “arraial da vacinação” no Maranhão, Doria divulgava seu plano de imunizar todos os paulistas acima de 18 anos até 15 de setembro e Eduardo Paes anunciou a intenção de adiantar o cronograma de vacinação no Rio.

“Me aguarde, João Doria. Você é o pai da vacina, mas eu já adotei a criança e já ganhei o coração do imunizante. Não me provoque. Estou preparando a resposta. Bora vacinar!”, escreveu o prefeito numa rede social. Doria respondeu: “Bora, Eduardo Paes. Aqui também tem mais vacina na agulha. Vamos vacinar todos o mais rápido possível!”

Paes ainda fez elogios a Dino pelo “arraial da vacinação” e encenou a possibilidade de fazer um evento semelhante no Rio. “Esse Flávio Dino está impossível. Até rave da vacina o homem está fazendo no Maranhão. Ainda vou pensar se dá para arrumar confusão com ele…”

“Já arrumou confusão, prefeito. É arraial da vacinação, com bumba-meu-boi, forró e mingau de milho”, respondeu o governador maranhense. “Para igualar, só se você convidar a maranhense/mangueirense Alcione. Abraços, boa sorte e corra!”

A política é o poder classicamente definido como “consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem” (Thomas Hobbes), como “conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados” (Bertrand Russell), ou “a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo” (Nicolau Maquiavel), embora este autor separe a política da moral.

Mas o poder político, modernamente falando, não é o poder despótico, exercido a ferro e fogo. “Embora a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político das outras formas de poder (econômico e ideológico), isso não significa que ele se resolva no uso da força” (Norberto Bobbio et alii).

O poder político não se exerce, necessariamente, na vontade de aniquilar o inimigo. Não é aceitável fazer política ameaçando, prendendo, torturando e matando adversários dos quais se discorde. Afinal, o fim da política, aristotelicamente falando, é viver bem e, como se diz popularmente, quando se esgota a capacidade de diálogo próprio da política aí começa o conflito, a guerra.

 

Política e verdade

A propósito de política, falemos de um substantivo tão espancado hoje em dia, a verdade. “Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso.” A frase de Bertolt Brecht, contida na peça-testamento A Vida de Galileu, pode ser adaptada livremente a várias situações e cabe perfeitamente ao Brasil político atual, quando tantas mentiras são repetidas como verdades e tantas verdades são escamoteadas com o único e nefasto intuito de alguém se prevalecer escondendo ou negando aquilo que é real e palpável.

Winston Churchill, um frasista imbatível, tem outra boa: “A mentira roda meio mundo antes da verdade ter tido tempo de colocar as calças.” E esta resume a força contida na inverdade e os danos que ela pode causar, muitas vezes até irreparáveis. A verdade é como um corpo mais leve que a água e sempre vem à tona, mas o mal causado pode deixar marcas profundas.

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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