A CPI da Petrobrás

Indignado com a instauração, no Senado Federal, de Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar denúncias de irregularidades em contratos firmados pela Petrobrás, o Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, considerou a iniciativa um ato de irresponsabilidade, pois a CPI prejudicaria a empresa e o país, no momento em que “a Petrobrás está buscando investimento externo para financiar a exploração de petróleo da camada pré-sal, e uma investigação no Congresso atrapalharia esses objetivos. Eu acho que nesse momento em que a gente está viajando o mundo para buscar dinheiro para financiar a exploração do pré-sal, nesse momento em que todo mundo sabe da crise mundial, que a gente está fazendo um esforço muito grande para começar um debate público sobre a nova regulamentação da lei do petróleo no Brasil, alguém levantar a idéia de uma CPI contra a Petrobrás é, no mínimo, ser pouco patriota. É, no mínimo, ser pouco responsável com o Brasil” (Jornal da Cidade – Sábado, 16 de maio de 2009 – p. A-5, matéria do G1).

 

Ora, a instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito é uma prerrogativa constitucional do Poder Legislativo, para o bom exercício da sua função típica fiscalizadora. Com efeito, as CPI’s constituem instrumentos importantíssimos para o bom desempenho desse papel, tendo em vista que, criadas regularmente, possuem poderes de investigação “próprios das autoridades judiciais”.[1]

 

Daí decorre que, numa CPI regularmente instaurada, é possível, desde que com a devida fundamentação (a fundamentação dos atos dos agentes públicos é, em regra, elemento do Estado Democrático de Direito), a quebra de sigilos bancário e fiscal, a requisição de documentos e perícias, a tomada de depoimentos de testemunhas com o dever de dizer a verdade, enfim, é viável a adoção de instrumentos aptos a tornar efetiva uma determinada investigação, a fim de que suas conclusões sejam encaminhadas ao Ministério Público para apreciação do cabimento de medidas judiciais cíveis e criminais. Ressalte-se que, no âmbito do Poder Legislativo, nenhuma outra esfera reúne tais poderes (nem as Mesas Diretoras, nem mesmo o Plenário).

 

E quais são os requisitos constitucionais para a legítima criação de Comissão Parlamentar de Inquérito? São basicamente três: a) requerimento de, no mínimo, 1/3 dos Deputados ou 1/3 dos Senadores; b) que a CPI seja criada para apuração de fato determinado; c) prazo certo de funcionamento, renovável, sempre por prazo determinado (noutras palavras, é uma comissão temporária).[2]

 

No caso da CPI da Petrobrás, segundo o noticiado pela imprensa, os três requisitos foram devidamente cumpridos: mais de um terço dos Senadores subscreveram o requerimento de instalação da CPI, aí incluídos Senadores que integram a base político-parlamentar de apoio ao Governo do Presidente Lula (assinaram o requerimento Senadores do PSDB, DEM, PMDB e PTB); o requerimento aponta os diversos fatos determinados conexos objeto de investigação, a saber – indícios de fraudes nas licitações para reforma de plataformas de exploração de petróleo, detectados na Operação Águas Profundas, da Polícia Federal, graves irregularidades nos contratos de construção de plataformas indicados pelo Tribunal de Contas da União e uso de artifícios contábeis que teriam resultado em redução do recolhimento de tributos no valor de R$ 4,3 bilhões; a CPI foi requerida com indicação de prazo certo de funcionamento.

 

Se é assim, cabe ao Poder Executivo, em cuja órbita político-administrativa se situa a Petrobrás, respeitar a prerrogativa constitucional do Poder Legislativo, inerente ao princípio constitucional da separação de poderes (Arts. 2° e Art. 60, § 4°, inciso III).[3] Mais ainda: respeitar a circunstância de que a CPI é instrumento legítimo da minoria parlamentar, de modo a evitar que as maiorias parlamentares pudessem sufocar toda e qualquer iniciativa investigativa e fiscalizatória dos atos da Administração Pública. É por ser instrumento da minoria parlamentar que a Constituição previu a criação de Comissões Parlamentares de Inquérito mediante requerimento de, no mínimo, 1/3 dos Deputados ou 1/3 dos Senadores, e não mediante requerimento da maioria absoluta. Nesse sentido, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

 

O Brasil já teve excelentes Comissões Parlamentares de Inquérito, que produziram investigações efetivas e bons resultados. Destaco as seguintes: a) CPI que apurou corrupção no Governo Collor, em 1992 – seu relatório final serviu de base para o impeachment; b) CPI do Orçamento, em 1993 – seu relatório final serviu para a instauração de processos de cassação de vários Deputados Federais, além de processos criminais, bem como a revisão moralizadora da lei de licitações; c) CPI do Poder Judiciário, em 1999, cujo relatório final redundou em diversas ações criminais em face inclusive de magistrados de alta envergadura; d) CPI do Sistema Financeiro, em 1999, cujo relatório final serviu de base para a propositura de ações penais e ações de improbidade administrativa em face dos que foram apontados como responsáveis pelo vazamento de informações privilegiadas quando da desvalorização cambial do real, em janeiro daquele ano; e) CPI dos Correios, em 2005, cujo relatório parcial serviu de base para a instauração de diversos processos de cassação de mandato de deputados federais, bem como foi a principal fonte de elementos pelos quais o Procurador-Geral da República propôs a mais robusta e conhecida ação penal que tramita no STF, conhecida como ação do “mensalão”.

 

É bem verdade que, noutras vezes, Comissões Parlamentares de Inquérito realizaram péssimo trabalho, sem qualquer conteúdo, excessivamente politizadas e partidarizadas, tornando-se palco para exibições mediáticas e performáticas de seus membros. Esse é o preço que se paga por viver em democracia. Cabe ao povo acompanhar os trabalhos da CPI e identificar a sua seriedade ou a sua inocuidade. Não cabe, todavia, efetuar juízos apriorísticos negativos sobre toda e qualquer iniciativa de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito.

 

O argumento de que a criação de uma CPI para investigar denúncias de irregularidades praticadas na gestão da Petrobrás seria uma irresponsabilidade, dado o contexto de crise mundial, é tão terrorista quanto inconsistente e inconseqüente. É o argumento recorrentemente utilizado pelos gestores públicos, que se pretendem imunes ao sistema de controles recíprocos inerente ao Estado de Direito. O uso desse argumento surpreende ainda mais quando se trata de um Presidente da República cujo partido político, o Partido dos Trabalhadores, notabilizou-se, em seus tempos de oposição política na esfera federal, por iniciativas bem sucedidas de requerimentos de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito. Surpreende também quando lembramos que o Presidente Lula já foi, inúmeras vezes, vítima de especulações de mercado, que aterrorizavam a nação com a indução de que o país não suportaria um seu Governo, como se a democracia brasileira não estivesse suficientemente madura para conviver com a alternância no poder.

 

Argumentos como esses, que são a priori contra toda e qualquer CPI sob a acusação de que se trata de uma medida voltada para obtenção de dividendos político-eleitorais, foram muito utilizados pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que criticava o PT pela propositura de CPI’s que, supostamente, teriam esse viés.

 

Em 2001, o Governo de FHC (PSDB) conseguiu evitar a criação de uma CPI destinada a investigar denúncias de corrupção. Relembremos o que disse o então Presidente FHC, sobre a iniciativa da então oposição, comandada pelo PT:

 

Em relação à oposição, disse que a CPI da corrupção tem “conotação política, pré-eleitoral”. No governo, diz-se que o principal beneficiado seria o PT, que deve lançar a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva pela quarta vez.
O presidente afirmou que, na democracia, não se pode instituir “um paredão moral de fuzilamento”. Afirmou que ainda que a CPI misturaria “alhos com bugalhos” e se transformaria em “bandeira de campanha eleitoral”.[4]

 

Ou seja, nesse e em tantos outros assuntos, os pólos político-partidários apenas mudaram de lado, a reproduzir no governo o discurso que criticavam quando eram oposição, e vice-versa, relembrando a máxima do Império segunda a qual “nada mais liberal do que um conservador na oposição” e “nada mais conservador do que um liberal no governo”.

 

 

 

 

A Caravana da Anistia em Sergipe

 

 

 

Na última segunda-feira (18/05/2009), a OAB/SE foi palco de um evento tão relevante quanto comovente: a realização de sessões de julgamentos de requerimentos administrativos de reconhecimento de anistia política e de ressarcimento pelos danos sofridos em decorrência de atos abusivos e arbitrários praticados pelo Estado Brasileiro durante a ditadura militar de 1964-1985.

 

Foi um momento único, no qual pudemos acompanhar, de perto, o acerto de contas do Estado Brasileiro com tantos sergipanos que, na condição de estudantes, líderes sindicais, professores, artistas, políticos, foram vítimas das mais terríveis perseguições, pela simples razão de empunharem o ideal das liberdades públicas, do regime democrático e da justiça social. Muitos deles sofreram torturas físicas e psicológicas, com seqüelas que se prolongam até os dias presentes.

 

A Caravana da Anistia do Ministério da Justiça tem percorrido o Brasil, mostrando uma nova forma de interpretação da própria expressão “anistia”, que passa a não mais significar o perdão do Estado, mas sim a traduzir o pedido de desculpas formal e solene do Estado Brasileiro aos seus cidadãos perseguidos, humilhados e violentados.

 

A relação completa dos processos que foram apreciados pode ser encontrada no site da OAB/SE na Internet, mais especificamente no seguinte link:

 

https://.oabse.org.br/?q=content/henri-clay-%E2%80%9Cpessoas-como-milton-coelho-s%C3%A3o-verdadeiros-her%C3%B3is-do-brasil



[1] Art. 58, § 3° da Constituição Federal: As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”. A jurisprudência do STF já se firmou no sentido de que esses “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” são, na verdade, poderes “de instrução”, poderes de “produção de provas” próprios das autoridades judiciais, eis que as autoridades judiciais não possuem poderes de investigação. 

[2] Tendo em vista que a CPI, por dispor dos poderes mencionados, pode vir a adotar medidas eventualmente restritivas de direitos fundamentais, não seria conveniente permitir a sua existência por tempo indeterminado.

[3]  Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

      Art. 60 (…)

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(…)

III – a separação de poderes;

 

[4] Folha de São Paulo, 03/04/2001, caderno Brasil. Assinantes da Folha ou do UOL podem acessar a íntegra da reportagem em https://1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0304200102.htm.

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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