A destacada passagem de Ayres Britto pelo STF

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, participa na tarde de hoje (14/11/2012) de sua última sessão de julgamentos naquela Corte. Isso porque, ao completar 70 (setenta) anos de idade na próxima segunda-feira (18/11/2012), terá atingido a idade limite para permanência no serviço público efetivo.

Nomeado Ministro do STF em 2003, o Ministro Carlos Ayres Britto já era renomado professor, especializado em direito público e, destacadamente, em direito constitucional, disciplina da qual se tornou mestre e doutor pela PUC-SP, sendo titular da cadeira no curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe e jurista reconhecido em todo o país e mesmo no exterior, escritor de artigos e livros jurídicos, conferencista, além de advogado do mais alto gabarito.

Não obstante todo o seu currículo acima descrito – o que fez com que importantes setores acadêmicos, profissionais e políticos do Brasil inteiro tivessem encaminhado moção de apoio à sua nomeação – o fato é que, no início, Carlos Ayres Britto deparou-se com algumas resistências, seja de Ministros mais antigos da Corte (já em sua primeira participação, no primeiro semestre de 2003, chegou a ser rispidamente combatido pelo então Ministro Nelson Jobim), seja de setores da mídia nacional (a revista Veja chegou a qualificá-lo pejorativamente como “provinciano”).

Com sabedoria, Carlos Ayres Britto soube, ao seu estilo, contornar aquelas resistências iniciais. Mostrou-se, ao longo desses nove anos, um Ministro conciliador, querido e respeitado por todos os seus pares e reconhecido pela sociedade brasileira por sua independência, espírito crítico, compromisso com a função de guardião da Constituição, naquilo que ela tem de mais progressista, a saber, a garantia dos direitos fundamentais, a democracia, a dignidade da pessoa humana.

Diversas foram as significativas manifestações de Carlos Ayres Britto no STF, seja como Relator, seja debatendo processos de relatoria de outro colega, abrindo divergência ou acompanhando-o.

Cito, apenas para exemplificar, os seus votos nos seguintes casos polêmicos e importantes:

1) defesa da liberdade de expressão, no habeas corpus impetrado em favor de Siegfried Elwanger;

2) defesa da liberdade de expressão e de informação, no caso envolvendo direito de transmissão televisiva de sessão de Comissão Parlamentar de Inquérito;

3) defesa da liberdade de expressão, no julgamento no qual o STF declarou a não-recepção, pela Constituição de 1988, da Lei de Imprensa;

4) realização da primeira audiência pública da história do STF, instrumental à decisão tomada no julgamento em que o STF declarou, acompanhando o seu voto como relator, a constitucionalidade da lei da biossegurança, no ponto em que permite a pesquisa científica em células-tronco embrionárias para fins terapêuticos;

5) voto no sentido de que parlamentar, mesmo afastado do exercício de suas funções para exercício do cargo de Ministro de Estado, está sujeito a ser processado, pela sua Casa Legislativa, pela prática de ato incompatível com o decoro parlamentar;

6) voto no sentido de que a atividade de bingos e cassinos se enquadra na categoria de sorteios, sendo então de competência legislativa privativa da União legislar sobre a matéria;

7) voto no sentido de interpretar que, após o decurso de cinco anos da prática do ato de aposentadoria de servidor público, sem que o Tribunal de Contas tenha concluído o exame da legalidade do ato, deve ser instaurado o contraditório e assegurada ao servidor a manifestação, em nome da segurança jurídica;

8) voto no sentido de que a aposentadoria do trabalhador é uma relação jurídica travada entre o empregado e a Previdência Social e, portanto, não rompe o vínculo empregatício com o empregador;

9) voto no sentido da validade jurídica da demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol e da obrigatoriedade dos não indígenas deixarem a área;

10) voto pela constitucionalidade da resolução do Conselho Nacional de Justiça que proibiu a prática de nepotismo no âmbito do Poder Judiciário e que abriu margem para posterior elaboração de Súmula Vinculante proibindo a prática do nepotismo em todos os Poderes;

11) decisiva colaboração na redação de diversas Súmulas aprovadas pelo STF na gestão do Presidente Maurício Corrêa;

12) decisiva atuação, no TSE e no STF, em defesa da constitucionalidade da “Lei do Ficha-Limpa”;

13) voto a favor do poder normativo e disciplinar do Conselho Nacional de Justiça;

14) voto a favor da fidelidade partidária;

15) voto pela interpretação segundo a qual a antecipação de parto de feto anencefálico não configura crime de aborto;

16) voto pela impossibilidade de contratação temporária para exercício da função de defensor público;

17) voto pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha;

18) voto pela inconstitucionalidade da emenda constitucional n° 62 (a “emenda do calote” dos precatórios);

19) voto pela validade da união homoafetiva;

20) voto pela constitucionalidade das políticas de ações afirmativas, incluindo as cotas raciais e sociais;

21) voto pela constitucionalidade da lei que fixou o piso salarial nacional do magistério público.

Alguns desses votos foram objeto de comentários aqui mesmo neste espaço da Infonet.

Essa destacada atuação do Ministro Carlos Ayres Britto no STF foi amplamente reconhecida pela comunidade jurídica nacional e pela sociedade brasileira de um modo geral, não apenas quanto à lhaneza no trato e maneira cordata de a todos tratar, como pelo denso conteúdo jurídico de suas construções intelectuais.

O seu colega, Ministro Joaquim Barbosa, pontuou que o Ministro Carlos Ayres Britto “é o ministro mais progressista da história do STF. Culto, alegre e totalmente da paz” .

Empossado no cargo de Presidente do STF (e também do CNJ) na data de 19 de abril deste ano de 2012, também conseguiu deixar a sua marca. Não se pode deixar de registrar que foi sobretudo graças ao seu empenho que a Suprema Corte conseguiu colocar em pauta o julgamento da Ação Penal n° 470, que se encontra em fase final de julgamento, na etapa de dosimetria das penas dos réus condenados. E, no CNJ, conseguiu intensificar as ações voltadas à maior transparência do Poder Judiciário e ao acesso dos cidadãos à justiça.

Aposenta-se o Ministro do STF. Sua passagem pela Suprema Corte é motivo de orgulho de todos os sergipanos e brasileiros. E o professor, jurista, advogado, enfim, o ser humano Carlos Ayres Britto continuará a nos brindar com lições jurídicas e lições de humanismo progressista.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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