No mundo que se diz democrático não há espaço para o isolamento decisório. Nesta moderna forma de administrar a coisa pública, o governante não é mais o senhor absoluto das decisões, tampouco o único interprete autorizado a decifrar o pensamento dos seus administrados. O governante que se diz moderno é obrigado a compartilhar os seus poderes, pudores e quereres. Neste sentido, a consulta aos cidadãos e suas organizações não é uma mera faculdade, mas uma obrigação fundamental e definitiva para situar o grau de Democracia aplicado. Eis porque eleições, plebiscito, leis de iniciativa popular e referendo são regularmente apontados como instrumentos determinantes para o exercício da soberania popular, momentos únicos em que os cidadãos participam diretamente dos destinos de seu país, ratificando ou mudando os rumos traçados pelos governantes. Mas a participação do cidadão e suas organizações são se resume aos processos de eleição e consulta popular. Não poderia mesmo a Democracia ser reduzida à instrumentos que são utilizados de forma pontual e periódica, ainda que a democracia participativa seja considerada a mais eficaz. O vácuo provocado pelo lapso de tempo é preenchido com a chamada democracia representativa, onde o cidadão e suas organizações escolhem aqueles que representarão os seus interesses, perspectivas, projetos e sonhos. Com a democracia representativa, complementando a participação direta dos cidadãos, estaria fechado o círculo de compartilhamento decisório a que está obrigado o governante. Não sem razão encontramos representantes dos cidadãos e suas organizações em todos os cantos e recantos decisórios do Brasil. O presidente, os governadores e os prefeitos junto ao Poder Executivo. Os senadores, deputados e vereadores junto ao Poder Legislativo. Os representantes da advocacia e do Ministério Público, considerados como essenciais à administração da Justiça, junto ao Poder Judiciário. Estas duas entidades, junto com os dois representantes da sociedade indicados pelo Congresso Nacional, participam dos recentíssimos Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público. Trabalhadores e empresários indicam representantes nos conselhos que administram o FGTS, fundo de pensão, regra continua em vários órgãos deliberativos ou consultivos espalhados pelo país. Enfim, representantes de comunidades se espalham pelo país, fazendo brotar a esperança de um Brasil mais participativo. Aliás, exatamente porque perdera a sua condição ética de representante, negando as promessas assumidas publicamente, o ex-presidente Collor fora afastado, via impeachment, da sua condição de mandatário dos cidadãos brasileiros. Exatamente porque envolvidos em denuncia de corrupção, que tinham a tarefa de combater, os cidadãos se mostraram inconformados com as absolvições dos deputados envolvidos no valerioduto, assim como não aceitou o arquivamento do processo que envolvia o ex-presidente nacional do PSDB, Eduardo da Silveira, apontado como pai do próprio mensalão. Exatamente para devolver ao cidadão o direito de retomar as rédeas do seu destino é que se exige a aprovação do projeto de lei que estabelece no Brasil o recall, isto é, a possibilidade de revogação do mandato eletivo. E exatamente para fazer o seu dever de casa, a OAB estará realizando um encontro nacional com os seus representantes no Poder Judiciário, para discutir a importância, eficiência, falha e aperfeiçoamento do quinto constitucional. Assim, para a consolidação da democracia, espera-se que o representante seja o espelho dos cidadãos e organizações que o designou, o receptor mais autorizado para escutar as suas lamúrias e o porta-voz mais legítimo para tornar reais as suas esperanças. Como oriundo de um processo eleitoral, deve ser fiel às promessas assumidas durante a campanha. Caso representante de uma organização, comunidade ou segmento social, deve observar o pensamento da entidade, sociedade ou agrupamento que está a representar. E como representante destes cidadãos e organizações, mesmo quando legalmente livre para agir e votar segundo suas próprias concepções, não pode esquecer as motivações de sua escolha. Afinal, afastar-se dos compromissos da representação equivale à perda da condição ética da própria representação. E sem a ética não há que se falar na manutenção da representação, pois negada a sua legitimidade e razão da existência democrática.
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