A Inexistência da política econômica neutra

Nas últimas semanas, em finais de 2017 e início de 2018, a política internacional mostrou ao público um lado seu já conhecido, mas também enormemente negligenciado por parte dos cidadãos: a incapacidade de uma política ser dotada de imparcialidade ou puramente técnica. De modo explícito, remontamo-nos à notícia do dia 14 de Janeiro de 2018 em que o economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer, assumiu alteração dos dados do ranking de competividade internacional divulgados pela instituição a fim de prejudicar o governo da então presidenta Michele Bachelet. A declaração surgiu como uma polêmica, possivelmente mais pelo excesso de sinceridade de seu enunciador do que propriamente pela natureza da sentença.

O que vem a chamar atenção é que parte da mídia e dos governos nacionais leva em grande consideração tais dados e medidas para a consolidação/apoio a políticas a serem executadas dentro de seus país. Entretanto, há no meio de tal divulgação a falta de crítica aprofundada para a absorção desses “rankeamentos” e recomendações em matéria de implementação, cuja modo em que são veiculados conforma um conjunto de ideias que servem como base/reforço argumentativo para a ação política. Tal absorção imediata advém de certa aura que os organismos multilaterais globais detêm ao serem entidades alheios “aos interesses e anseios governamentais e cuja função e eficiência independe da vontade particular de um Estado”.

Apesar dessa bela premissa repetida por seus defensores e idealizadores, as organizações internacionais derivadas de Bretton-Woods- Banco Mundial e FMI- e tantas outras tem por natureza de sua existência a garantia da estabilidade do sistema capitalista e seu aspecto de lucratividade. Pois bem, se levarmos em consideração sua essência e devir, portanto, como Banco, essa entidade funciona para emprestar e receber os vencimentos e aplicação, cujo objetivo é lucrar pelos juros. Quando estes são ameaçados, há a necessidade de intervenção; de condicionalidades para reaver o que fora emprestado; e pressionar para que políticas que garantam a saúde de seus investimentos sejam efetuadas. Punir aqueles que surgem como provável obstáculo para a harmonia de seu ciclo de acumulação e desenvolvimento por meio de manipulações e chantagens nada mais é do que o modus operandi institucionalizado.

Tendo isso em mente, torne-se claro ter reticências perante as recomendações que o Banco Mundial tem dado para a política brasileira no último ano. A organização tem relutantemente apoiado as reformas trabalhistas e previdenciária, reforçando o discurso da atual gestão do Executivo brasileiro de que tais medidas são imprescindíveis para a geração de empregados, aumento da competividade e para a saúde fiscal do país. Para além disso, o Banco recomendou o fim da gratuidade do Ensino Superior Público de modo mais amplo, de modo que tal passo seria vital para a racionalização dos gastos com educação e melhoria do ensino. Não obstante, editorias na imprensa brasileira também apoiam a medida, em um viés que alegam a gratuidade como um meio de distorção da educação em que “o pobre paga e o rico estuda de graça”, referindo-se à distorção de classe entre estudantes de universidades privadas e públicas. A retórica causa certa comoção por justiça, escondendo o fato dos vários cortes que o setor vem sentido desde 2014, não fazendo parte da recomendação do BM um piso de porcentagem para investimento em educação e inovação: apenas a sua racionalização. A bom entendedor, um início de cobrança que pode iniciar a privatização.

Essas pressões advêm com as preocupações do Brasil honrar suas dívidas externas e o controlar seus déficits fiscais. Apesar da roupagem de preocupação perante o futuro da nação, a ideia central é garantir terreno fértil para retorno de antigos e novos investimentos. Em períodos de crise, convém retirar o acumulado para o setor público para garantir a rentabilidade dos grandes do setor privado- sejam eles internacionais ou nacionais. Para tanto, as privatizações e reformas são necessárias. E se tal idoneidade inexiste em uma instituição multilateral, ela nem deveria ser cogitada em relação a empresas privadas. Esse é o caso da nota de rating do Brasil ter caído na última semana pela Stardard & Poor´s. A agência rebaixou o grau de investimento em território brasileiro ao nível de países como Bangladesh e Vietnã, ficando atrás de Paraguai e Bolívia. No mesmo documento, a agência- condenada por manipulação de rating na crise de 2008 nos Estados Unidos- afirma que o país decaiu por conta das incertezas perante a instabilidade política e possíveis percalços para que sejam aprovadas as reformas “vitais” para o equilíbrio fiscal do país. Ora, como decair justo quando a economia “retoma investimentos” e muda suas regulamentações trabalhistas? Não era esse o ensejo dessas a agências? Sem dúvida sim, mas ainda não o suficiente.

A crise é o momento perfeito para que a população aceite reformas que em outros períodos não seriam possíveis, como afirmaria Milton Friedman. A ampla reforma previdenciária que será votada em fevereiro no Brasil decorre também da pressão dessas instituições para que se arrecade mais, gaste menos para a população e haja o retorno para o pagamento de dívidas.  O governo brasileiro acata com bons olhos esse rebaixamento e as recomendações do Banco Mundial: são os suportes externos e “técnicos” necessários para o avanço de suas reformas. É a pressão do “Mercado”, e sem o mercado não se sai da crise, tem-se de conceder. Portanto, não são puramente “pragmáticas” estas decisões. A influência externa reforça as preferencias e ações das elites dentro do país. E, se no momento a única alternativa interpretada pelo governo tem sido o estrangulamento fiscal, as agências internacionais oferecem- com satisfação- a corda.

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