A Medida Provisória antissindical

Na sexta-feira 01/03/2019, véspera do carnaval, o Presidente da República Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 873, que traduz um verdadeiro atentado à livre organização sindical dos trabalhadores.

Com efeito, dentre outras determinações, a MP nº 873 proíbe o desconto em folha de pagamento dos trabalhadores e dos servidores públicos federais da contribuição sindical voluntária, estabelecendo que o recolhimento dessas contribuições deve ser efetuado exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, bem como impõe que autorização para esse desconto somente possa ser efetuada expressa e individualmente, desconsiderando a possibilidade de aprovação em assembleia da categoria:

“Art. 1º  A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 578.  As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, sob a denominação de contribuição sindical, desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado.” (NR)

“Art. 579.  O requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade o disposto no art. 591.

§ 1º A autorização prévia do empregado a que se refere o caput deve ser individual, expressa e por escrito, não admitidas a autorização tácita ou a substituição dos requisitos estabelecidos neste artigo para a cobrança por requerimento de oposição.

§ 2º É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem observância do disposto neste artigo, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia-geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade.” (NR)

“Art. 579-A.  Podem ser exigidas somente dos filiados ao sindicato:

I – a contribuição confederativa de que trata o inciso IV do caput do art. 8º da Constituição;

II – a mensalidade sindical; e

III – as demais contribuições sindicais, incluídas aquelas instituídas pelo estatuto do sindicato ou por negociação coletiva.” (NR)

“Art. 582.  A contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa.

[…]” (grifou-se).

Para além de desprovida de qualquer relevância e urgência [que são os pressupostos constitucionais autorizadores do exercício excepcional da função legislativa pelo Poder Executivo (Art. 62 da CF)], a MP nº 873 afronta diretamente a liberdade e autonomia sindical e a garantia constitucional específica e expressa no que se refere ao desconto em folha da contribuição sindical, mediante autorização dada em assembleia da categoria.

Ao dispor acerca dos direitos sociais dos trabalhadores, a Constituição de 1988 dedicou o art. 8º para a garantia da liberdade de associação sindical e, em seus incisos, cuidou de fixar normas que asseguram o exercício desse direito.

Precisamente no inciso IV do art. 8º procurou o constituinte instituir mecanismos de financiamento das atividades dos sindicatos, imprescindível para o suporte material de suas tarefas de defesa dos direitos e interesses das respectivas categorias, organizando as lutas coletivas por melhores salários, melhores condições de trabalho e outras pautas legítimas que soberanamente pretendam defender enquanto classe.

Dentre esses instrumentos financiadores a nominada contribuição confederativa, a qual vem a ser aquela que é estabelecida por Assembleia da categoria e que somente pode ser cobrada dos trabalhadores que são filiados à entidade sindical, por livre e soberana opção.

Diz a Constituição:

“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

[…]

IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para o custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição sindical prevista em lei;” (grifou-se).

Ou seja: constitui garantia constitucional fundamental específica da livre organização sindical dos trabalhadores a possibilidade de estabelecerem determinada contribuição em Assembleia Geral, a qual será, por expresso comando constitucional, descontada na folha de pagamento dos integrantes da categoria e, uma vez realizado o desconto, obrigatório o repasse para o sindicato correspondente.

Essa Medida Provisória, no ponto, já vem sendo incidentalmente declarada inconstitucional por diversos juízes em todo o país, em casos concretos, e já está com sua constitucionalidade contestada em diversas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, sendo muito provável que venha a ser declarada inconstitucional em definitivo pelo STF, ante a sua frontal e textual inconstitucionalidade.

No entanto, o que a edição dessa medida provisória bem revela é o plano de intimidação dos sindicatos e da livre organização coletiva dos trabalhadores, com vistas a eliminar suas resistências contra as medidas econômicas ultraliberais que vêm sendo adotadas em proveito do mercado e do capital e em especial contra os efeitos socialmente danosos da proposta de “contrarreforma da previdência”.

É mais um alerta para a necessidade de resistência democrática contra esse conjunto tão amplo e tão feroz de políticas de retrocesso social, político e comunitário a que estamos assistindo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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