É impressionante o efeito negativo provocado pela pública e notória morosidade do Poder Judiciário, fazendo perigosamente adoecer um dos pilares fundamentais à sustentação do Estado Democrático de Direito. De uma só sentenciada, a demora em julgar provoca reações colaterais preocupantes, como o descontentamento e o descrédito do Judiciário perante a sociedade, seqüenciado por outros sintomas típicos de um paciente visivelmente debilitado, que reage com dificuldades aos mortais vírus da injustiça, da impunidade e dos privilégios especiais para os que já nascem e vivem em condições redundantemente especiais. E para complicar o quadro clínico, a sua debilidade estimula o que chamam de “praga da vingança privada”, em que o cidadão, sem qualquer perspectiva de ver aplicada a Justiça que o seu caso exige, desesperadamente busca resolver diretamente com o seu desafeto a injustiça provocada, não raro usando da violência ou da submissa renuncia de direitos. E não é apenas o cidadão comum quem sofre com a letargia do Poder Judiciário, embora este motivo já seja suficiente para que seja ministrado um tratamento de choque no importantíssimo paciente. Todas as pesquisas realizadas sobre o assunto apontam que a indefinição judiciária tem contribuído para aumentar o que se convencionou chamar de “Custo Brasil”, vez que provoca insegurança nos investidores internacionais, que exigem maiores garantias e compensações financeiras para aportarem recursos nas terras tupiniquins. Os empresários brasileiros também afirmam que os elevados preços cobrados do Poder Público trazem embutidos os custos processuais e o provável calote via precatório, além das inconfessáveis práticas de corrupção. Da doença-morosidade somente se beneficia, como se conclui dos dados divulgados recentemente pelo STJ e pelo TST, os que enxergam a cidadania como uma disforme massa de manobra eleitoral, bem assim os que fazem do lucro fácil a principal razão da existência terrena. No primeiro time, pode-se escalar os governantes e dirigentes de estatais que entulham os tribunais com processos repetitivos, protelatórios e contaminados pelo germe da litigância de má-fé. No segundo, filiam-se, com destaque, as instituições bancárias, pois os juros que pagam pela mora judicial são infinitamente inferiores aos que cobram da sociedade brasileira. E tudo isso com a estranha e suicida conivência do próprio Poder Judiciário, que nada faz para inibir o amontoado de processos que tolhe o seu livre respirar. Não pune os que zombam de sua boa-fé, tampouco ousa multar os que brincam com a celeridade processual, motivando e estimulando, com a sua omissão, que novos processos e repetidos atos protelatórios sejam inoculados nas suas veias, transformando-o em um paciente quase terminal. Recusando-se à própria cura, perde força política para exigir que outros colegas do ramo oficial minorem a sua agonia, a exemplo de exigir que a Advocacia Geral da União respeite e cumpra suas decisões, receitando súmulas administrativas que estaquem, impeçam ou evitem a proliferação da renitente doença. A anunciada Reforma do Poder Judiciário tem sido apontada como a descoberta da cura do paciente, principalmente com a festejada descoberta da vacina patenteada como “súmula vinculante”. Os cientistas que apostam nos seus benéficos efeitos juram que, com ela, estaremos curados do mal da morosidade, pois uma vez decidida a questão pelo Supremo Tribunal Federal todos prestarão cavalar obediência. A bula é realmente aparentemente simples: sendo o STF o primeiro a falar, não mais o último, a terapia seria diretamente ministrada ao paciente, sem qualquer intermediário. Infelizmente, esta simples lógica, longe de curar, certamente acabará por matar o próprio paciente. Primeiro, porque o STF jamais deterá curativo de enquadrar uma decisão genérica nos casos específicos e concretos, o que sempre possibilitará a interposição de novos e protelatórios recursos, especialmente aqueles que se acostumaram com a lucratividade política e econômica da morosidade judicial. Segundo, os cidadãos e os magistrados poderiam ainda ser vitimados com uma decisão fulminante e política do STF, como aquela proferida no caso do absurdo desconto dos aposentados. O certo é que a morosidade poderia ser evitada e controlada com os remédios já existentes, a exemplo das citadas multas por litigância de má-fé e das súmulas administrativas. Poder-se-ia, também, aumentar o número de magistrados, acabando com a triste constatação de que o Brasil possui um dos menores índices do mundo no que se refere a relação juiz/população. O que não se pode fazer é aumentar a desesperança da nação, prometendo a ela uma solução que se sabe inócua, pois a súmula vinculante será sempre vinculada a uma decisão política. * Cezar Britto, é advogado e Secretário-Geral da OAB
Comentários