O ministro Tarso Genro determinou que o Ministério da Educação suspendesse, pelo prazo de noventa dias, a homologação de qualquer processo visando a autorização de novos cursos jurídicos. Mais ainda, ordenou que se avaliassem os critérios para autorização e reconhecimento dos cursos já em funcionamento, inclusive com a possibilidade de fechar aquelas instituições “que não tiverem qualidade suficiente para acolher as necessidades da população”. Não agiu o Ministro Tarso Genro graciosamente, estava ele respaldado no diagnóstico da OAB sobre o assunto, que de muito vem denunciando a grave e absurda proliferação de cursos de direito, quase todos de péssima qualidade. Fez a OAB minucioso levantamento sobre a qualidade do ensino jurídico no Brasil, encontrando situações tão graves que parecem irreais, senão visivelmente imorais. Afinal, o que esperar de uma “faculdade” que funciona em um cinema abandonado, nas horas vagas de uma igreja ou no plenário de uma Câmara de Vereadores? O que dizer da seriedade de uma instituição de ensino que funciona no horário pré-matutino, das quatro às sete horas da manhã? Como falar que é possível ensinar ou aprender em uma sala que encaixota mais de duzentos alunos? Não vale explicar, salvo para alimentar o bom humor do brasileiro, que a criatividade da sétima arte, a ética religiosa, o cheiro da política, os devaneios dos boêmios ou trabalho em coletividade são importantes na formação do futuro bacharel, razão porque ditos cursos de direito funcionam nestes exóticos lugares. A razão é bem outra, estas espécies de cursos proliferam porque o ensino se transformou em verdadeira máquina de fazer dinheiro. E quando a idéia central é fazer dinheiro a todo custo, danem-se os arroubos de consciência ou a preocupação com o saber. Aliás, neste caso, o saber, não passa de mero pretexto para atrair o esperançoso cidadão que sonha um dia ser advogado, juiz, promotor ou qualquer das atrativas carreiras jurídicas. Sonho que a realidade logo desnudará, pois, desqualificado tecnicamente, não conseguirá sequer um lugar ou um espaço decente para exercer a cobiçada e concorridíssima profissão. Terá percebido, se advocacia for a sua praia, que, mesmo que passe no Exame de Ordem, dificilmente logrará êxito no Exame da Vida. E aí, tardiamente, terá que seguir outro caminho, acreditando, como recentemente disse Gabeira, que “sonhara o sonho errado”, e partir para outra. Cursar outro curso, viver outra vida, quem sabe enfrentar as filas quilométricas dos concursos para a árdua tarefa da faxina, talvez até casar, cuidar dos filhos, e ser do lar. Poderia, se nascido em berço juridicamente esplêndido, seguir o conselho de Manuel Bandeira, e “ir para Pasárgada, onde se é amigo do rei”, onde os cargos em comissão abundam, onde o ter significa nada fazer. Alguns, também sem perspectiva de sobrevivência, infelizmente já começaram a abandonar os poucos resquícios de ética que um dia possuíram e se entregaram por inteiro ao crime. Para estes poucos, o prometido paraíso da farta advocacia se transformou no pesadelo da delinqüência. É dizer, em outras palavras, do esperado sonho de possuir uma casa à beira-mar, restou apenas o de ser possuído pelos Fernandinhos Beira-Mar. Erra feio, portanto, quem diz que a OAB é xenófoba, que tem medo de novos cursos jurídicos ou que assim age para preservar o mercado de trabalho para os advogados que lhe sustenta. Basta observar que na gestão do ex-presidente Rubens Approbato dezenove cursos jurídicos foram criados com o parecer favorável da Comissão de Ensino Jurídico da OAB, além dos vinte cursos reconhecidos no mesmo lapso de tempo. Todos, entretanto, tinha em comum a questão da qualidade do ensino proposto, pois a excelência do saber não fora trocada pela “ciência do lucro fácil”. A OAB age pensando nas conseqüências provocadas pela perversa proliferação de cursos jurídicos destituídos da qualidade mínima necessária à transmissão do saber. A OAB age preocupada com o bacharel iludido, frustrado por não conseguir exercer a sua cobiçada profissão e que, tardiamente, descobrirá que fora vítima de um perverso esquema que mercantilizou o seu sonho. A OAB age porque tem consciência de sua responsabilidade social, reflexo de sua coerente e combativa História. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br