A onda conservadora

Como já tivemos a oportunidade de comentar aqui mesmo neste espaço da Infonet, em textos anteriores, estamos vivendo uma perigosa conjuntura de retrocessos em direitos fundamentais políticos, individuais e sociais.

Para além da emenda do orçamento impositivo (emenda constitucional n° 86, de 17/03/2015) e da perigosa contra-reforma política, são medidas emblemáticas dessa perigosa conjuntura a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que autoriza a terceirização para toda e qualquer atividade (hoje permitida apenas para a atividade-meio) e da marcha avançada – já admitida a sua admissibilidade pela Comissão de Constituição e Justiça – da proposta de emenda à constituição que reduz a maioridade penal para 16 anos, em fase de discussão na comissão especial.

Com efeito, embora conte com apoio genérico de parcela significativa da população brasileira, a redução da maioridade penal é grave retrocesso em relação a conquistas civilizatórias liberais. É mera ilusão supor que o direito penal, ou que a severa punição criminal de infratores – adultos ou adolescentes – seja medida por si só apta para prevenir a violência e garantir a segurança e a ordem pública. O Direito Penal tem sido aplicado há muito tempo, com políticas de encarceramento e com sucessivas ondas de aumento das penas para os crimes mais graves, sem que isso tenha resultado em qualquer avanço na contenção da criminalidade. Demais disso, embora a grande mídia dê destaque a atos infracionais praticados por adolescentes, os dados disponíveis demonstram que a grande maioria dos crimes violentos são cometidos por adultos. Isso para não falar da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, no caso dos adolescentes, e da quase inexistente aplicação da legislação em vigor que, a partir da Constituição, determina que se dê tratamento especial ao ato infracional praticado por adolescente, que deve ser submetido a medidas socioeducativas. Do jeito que essa legislação não é efetivamente aplicada, somado às políticas econômicas e sociais excludentes de parcelas significativas da população, o que se tem é um contingente enorme de adolescentes jogados ao léu, sem perspectivas, sem condições materiais mínimas de existência digna, facilmente entregues à criminalidade para serem usados como instrumentos de sua atuação. A singela redução da maioridade penal, portanto, além de passar longe de atacar as causas da criminalidade, da violência e da insegurança, tende a agravar ainda mais o fosso de desigualdade e de exclusão social da juventude brasileira periférica, a ser ainda mais aviltada e criminalizada.

E o projeto de lei que autoriza a terceirização para a atividade-fim das empresas é o maior atentado recente aos direitos sociais e trabalhistas de que se tem notícia.

O jornalista Jânio de Freitas, em comentário de simplicidade contundente, bem descreveu:

“É SIMPLES
(…)
É simples: se a terceirização não fosse de conveniência das empresas, por que o empresariado a desejaria?
É simples: se empresas demitem empregados e contratam, para substituí-los, mão-de-obra fornecida por outras empresas, só pode ser porque gastarão menos do que usando empregados seus; logo, a mão-de-obra fornecida tem salários inferiores aos dos empregados demitidos, o que resulta em perda no padrão geral de salários.
É simples: terceirização diminui a pouca distribuição de renda havida nos últimos anos e favorece ainda maior concentração” (Folha de São Paulo, 23/04/2015).

Em ambiente democrático, de liberdade de expressão e de atuação nos espaços públicos, somente a mobilização cívica dos segmentos sociais progressistas que se sentem afetados por essa conjuntura é que pode conseguir resistir efetivamente a essa perigosa onda conservadora.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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