A paixão pelo que se faz é a melhor receita contra a moderna doença conhecida como estresse, mesmo porque, é deprimente fazer algo apenas por obrigação de fazer sem qualquer prazer ou tesão. A paixão é inclusive o antídoto mais eficaz contra a monotonia, pois incompatível com a rigidez de um coração que aceitou viver no compasso de um relógio, sentindo o tempo passar ao sabor de uma única melodia. Quem renuncia a paixão jamais saberá o quanto é gostoso viver a própria vida, nunca provará o real sabor de uma outra vida, tampouco decifrará o enigma da felicidade. E o mais legal da paixão é o seu estado de espírito contagiante, pois quem não se apaixona ama apenas o seu próprio umbigo. Quem se apaixona ama a tudo e a todos, somente detestando o estado beligerante de determinadas coisas ou pessoas. Ninguém sai perdendo quando se faz da paixão uma razão de viver, desde as conquistadas relações amorosas, passando pelos cobiçados amigos, chegando até as longas horas dedicadas ao trabalho. É no trabalho aliás, que a paixão tem uma importância fundamental, pois a ele dedicamos a maior parte do tempo físico de nossas vidas. Em termos de quantidade de horas por exemplo, o trabalho ganha disparado das demais paixões, mesmo aquelas mais prazerosas, cobiçadas e acalentadas desesperadamente pelo coração. A paixão no trabalho ou pelo trabalho, a depender do olhar do apaixonado, necessariamente se tomou vital para o viver feliz, sob pena de, não assim sendo, se transformar numa moderna forma de escravidão. Não é preciso dizer, até para não parecer contraditório, que faço do meu trabalho uma imensa fonte de paixão, incluindo aquele não remunerado ou dedicado ao voluntariado. Acho até que é uma paixão recíproca, pois o trabalho não se cansa de me procurar, exigindo cada vez mais a minha presença, não raro querendo dedicação exclusiva. E tem um trabalho em especial que não me importo em ser vítima de seu egoísmo, mesmo porque me causa imenso prazer, me tornando visivelmente feliz e rejuvenescido. Falo das causas trabalhistas em que, como advogado, consigo restabelecer o trabalho de um empregado que foi perdido injustamente. Não há honorário mais gratificante do que o olhar de um trabalhador que reconquista o direito de trabalhar, após os longos anos em que o seu emprego se tornou sinônimo de desamor. Para ele, acabou o tempo em que a paixão resolveu tirar férias de sua vida, impedido-o sequer, de comprar um prato de dignidade ou compartilhar o doce acalento com seus familiares. Eis porque fiquei feliz quando o Brasil anunciou que milhares de trabalhadores começaram a readquirir o seu emprego voltando a ter a paixão pela vida. E o que é melhor, desta vez não foi uma limitada decisão judicial à heroína, mas sobretudo, porque o Brasil redescobriu o caminho do desenvolvimento econômico, saindo da paralisia que congelou as suas esperanças. Parece que agora, finalmente a esperança começa a superar o medo do desemprego, embora ainda se tenha uma grande jornada pelo que ela triunfe, a exemplo de diminuir os juros e percentual destinado ao superávit primário. Ironicamente, a notícia da retomada do emprego no Brasil ocorre no exato momento em que o Senado decreta a extinção de mais de três mil postos de trabalho, é que o Senado não aprovou a emenda constitucional que pretendia restabelecer as vagas dos parlamentares municipais extintas pelo Poder Judiciário. Ficaram reduzidas assim, as vagas que estarão em disputa nas próximas eleições municipais, para desgosto da classe política. A ironia consiste na constatação de que neste caso, a extinção das vagas dos vereadores foi considerada cívica. Não porque a atividade parlamentar deva ser desprezada, mas tão somente porque o seu elevado número, especialmente nas pequenas e médias cidades, estava significando desperdício do suado dinheiro público. Em muitas cidades brasileiras o parlamento municipal apenas se reúne uma ou duas vezes por semana, não obstante o vereador receber um dos mais altos salários da região. A paixão neste caso, não joga no time dos vereadores, pois todos sabem que o bom gostar não é integrante do bloco do “eu sozinho”. Como a melhor característica da paixão é o compartilhamento, nada melhor do que investir diretamente na coletividade os recursos públicos que tanto ela necessita. E não há urgência maior neste momento do que acabar com o desapaixonante desemprego, principalmente com a criação das condições necessárias ao restabelecimento da auto-estima e da dignidade do trabalhador brasileiro. * Cezar Britto é advogado, conselheiro Federal da OAB e presidente da Sociedade Semear. cezarbritto@infonet.com.br