Caminha a passos largos a aprovação, pelo Congresso Nacional, da PEC nº 241/2016, que “Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”, e que tenho chamado de “PEC do retrocesso social”, enquanto movimentos sociais que se insurgem contra a sua aprovação a têm denominado de “PEC do fim do mundo”.
Na madrugada da terça-feira, 11/10/2016, já havia sido aprovada em primeiro turno, pela Câmara dos Deputados, por 366 votos a favor. Na noite de ontem, terça-feira, 25/10/2016, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta em segundo turno, por 359 votos a favor (nas duas votações, eram necessários à aprovação 308 votos favoráveis, equivalentes a 3/5 do total). A proposta seguirá ao Senado Federal, onde, para ser aprovada em definitivo, também deve obter o voto favorável de 3/5 dos membros (49 Senadores) em dois turnos de votação. O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL) já anunciou a prioridade da pauta, com intenção de finalizar todo o processo legislativo até o final do ano.
Pois bem, a proposta de emenda à constituição n° 241/2016 foi apresentada ao Congresso Nacional pelo então Vice-Presidente no exercício do cargo de Presidente da República Michel Temer, em 15/06/2016, e tem exposição de motivos subscrita pelos Ministros da Fazenda Henrique Meirelles e do Planejamento Dyogo Henrique de Oliveira, em que é assumida a linha ideológica do receituário neoliberal que levou à crise global de 2008 e cujos reflexos são sentidos no mundo inteiro até os dias de hoje: juros altos, austeridade fiscal, corte de gastos e de investimentos sociais, que resultam em benefícios exclusivos para o mercado financeiro.
Por essa proposta, apresentada sob o disfarce de controle de moralidade da elaboração do orçamento e estabilização das contas públicas, os investimentos públicos serão congelados – tomando como referência as despesas realizadas em 2016 – com atualização anual apenas pela variação do INPC, mediante a imposição de um limite de gastos individualizado por Poderes e órgãos.
Isso significa congelar por vinte anos os parcos investimentos sociais a serem realizados em 2016, enfraquecendo a necessária e obrigatória atuação do Estado em políticas públicas sociais e até mesmo limitando o planejamento econômico governamental, que deve ser voltado para o desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais e regionais, objetivos fundamentais da República (Art. 3°, incisos II e III da Constituição).
Nada mais significativo do viés dessa proposta é o seguinte trecho da exposição de motivos, que revela abertamente a gravíssima intenção de acabar com a obrigatoriedade constitucional dos gastos mínimos com educação e saúde:
“Um desafio que se precisa enfrentar é que, para sair do viés procíclico da despesa pública, é essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal. É preciso alterar esse sistema, justamente para evitar que nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório o aumento de gastos nessas áreas e, quando da reversão do ciclo econômico, os gastos tenham que desacelerar bruscamente. Esse tipo de vinculação cria problemas fiscais e é fonte de ineficiência na aplicação de recursos públicos”.
Se aprovada também pelo Senado Federal, a PEC nº 241/2016 significará que congelaremos por vinte anos os investimentos nas políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos sociais e nos serviços públicos, comprometendo a educação, saúde, previdência, assistência social, moradia etc.
Na linha contrária à implementação progressiva dos direitos sociais, econômicos e culturais, tal como o Estado brasileiro se comprometeu ao firmar o Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a eventual aprovação definitiva da PEC nº 241/2016 traduzirá o rompimento com o Estado Social, antes mesmo de sua razoável efetivação.
Confira-se o que dispõe o Pacto:
Parte II – Art. 2º Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.(grifou-se)
Nesse dificílimo cenário, não há outra alternativa para combater esse enorme retrocesso: a luta, que deve ser contínua e constante, convergindo atuação social e manifestações públicas – o que felizmente já vem ocorrendo em diversos espaços do país inteiro, como aqui em Sergipe – com política institucional, objetivando impedir a definitiva derrocada da Constituição-Cidadã do Estado Social Democrático de Direito de 1988.